A
Laurita é uma mulher amarga e filosófica, e tem suas razões. Ele
chamava-se Candiota e, semanas antes do casamento marcado, disse para
Laurita que iria abandoná-la.
— É
outra? — perguntou Laurita, soerguendo-se na cama. (Nota pessoal do
autor: sempre gostei muito de “soerguer-se”, mas tive poucas
chances de usá-lo. Agradeço a oportunidade. Um abraço nos meus
familiares. Segue a história.)
— Não
— respondeu Candiota —, é Outro.
Como
não percebeu o O maiúsculo, Laurita pensou que o Candiota, logo o
Candiota, um homem tão reto, fosse homossexual. Mas Candiota
apressou-se a corrigir o engano. O Outro era o Senhor.
— Fui
chamado pelo Senhor.
Deus
o convocara para seu ministério e Candiota não podia ter qualquer
distração na sua luta contra o demônio, muito menos a Laurita, com
seus mamilos tipo medalhão. Laurita não casou com o Candiota e com
mais ninguém. Renunciou à sua missão, que era reproduzir tantos
Candiotas quantos pudesse para ajudar o Brasil, em favor da missão
do Candiota, de combater o demônio em todas as suas manifestações.
Anos
depois, num baile de carnaval, Laurita julgou identificar o Candiota
num grupo de homens fantasiados de legionários romanos que
circulavam pelo salão com mulheres seminuas sentadas sobre os
ombros. Não pôde ter certeza de que era o Candiota porque ele era o
único que segurava a mulher ao contrário e tinha a cara enterrada
entre as suas coxas.
Talvez
não fosse o Candiota. Talvez fosse o Candiota e ele estivesse numa
missão secreta para o Senhor, em território inimigo. Talvez fosse o
Candiota e ele tivesse mentido para ela. Talvez fosse o Candiota e...
O homem depositou a mulher que tinha sobre os ombros em cima de uma
mesa, e Laurita viu que era o Candiota. Gritou para ele:
— Candiota,
e a sua luta contra o demônio?
E
então Candiota virou-se, avistou Laurita, abriu os braços
dramaticamente e respondeu:
— Ele
venceu!
Foi
depois disso que a Laurita ficou assim, amarga e filosófica.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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