Dia
12 de dezembro de 2008
O
juiz Baltasar Garzón deixou em Lisboa uma lição do que é ou deve
ser o Direito. A verdade é que, em sentido estrito, do que se falou
no acto organizado pela Fundação foi de Justiça. E de sentido
comum: dos delitos que não podem ficar impunes, das vítimas a quem
tem de ser dada satisfação, dos tribunais que têm de levantar
alcatifas para ver o que há por baixo do horror. Porque muitas
vezes, por baixo do horror, há interesses económicos, delitos
claramente identificados perpetrados por pessoas e grupos concretos
que não podem ser ignorados em Estados que se proclamam de direito.
Quem sabe se os responsáveis dos crimes contra a humanidade, que de
outra forma não posso chamar a esta crise financeira e económica
internacional, não acabarão processados, como o foram Pinochet ou
Videla ou outros ditadores terríveis que tanta dor espalharam? Quem
sabe?
O
juiz Baltasar Garzón fez-nos compreender a importância de não cair
na vileza uma vez para não ficar para sempre vil. Quem conculca uma
vez os direitos humanos, em Guantánamo, por exemplo, atira pela
borda fora anos de direito e de legalidade. Não se pode ser cúmplice
do caos internacional com que a administração Bush infectou meio
mundo. Nem os governos, nem os cidadãos.
Um
auditório multitudinário e atento seguiu as intervenções do juiz
com respeito e consideração. E aplaudiu como quem ouve não
verdades reveladas, mas sim a voz efectiva de que o mundo necessita
para não cair na permissividade da abjecção.
A
Fundação está contente: fizemos o que pudemos para recordar que há
uma Declaração de Direitos Humanos, que estes não são respeitados
e que os cidadãos têm de exigir que não se tornem em letra morta.
Baltasar Garzón cumpriu a sua parte e tê-lo posto a claro esta
tarde em Lisboa só pode fazer com que nos felicitemos.
José Saramago, in O caderno
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