O
ano era 1967 e a cidade, São Paulo, novo centro irradiador da música
brasileira com a TV Record. A emissora dominava a audiência com uma
programação que apresentava um musical todas as noites em horário
nobre, desde O fino da bossa, com Elis Regina e Jair
Rodrigues, até Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo e
Wanderléa, além dos festivais. Estes passaram a ser os grandes
eventos musicais a partir de 1965, inicialmente na TV Excelsior,
quando venceu “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e
1966, já na Record, quando “A banda”, de Chico Buarque, e
“Disparada”, de Théo de Barros e Geraldo Vandré, empataram no
primeiro lugar e dividiram o país.
Os
ânimos estavam exaltados, a discussão musical e o debate político,
restrito pela ditadura, se misturavam com artistas e canções que
representavam posições quase sempre de oposição ao governo. O
festival de 1967 começou cercado de altas expectativas, os grandes
nomes da nova geração de (ex-)universitários como Chico Buarque,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Geraldo Vandré, já mais
amadurecidos, apresentariam suas melhores canções. As torcidas
organizadas se preparavam para gritar pelos seus ídolos e vaiar
todos os outros concorrentes.
A
TV Record estimulava a briga entre a Jovem Guarda e a nova MPB,
opondo a “música jovem” à “música brasileira” e
exacerbando o nacionalismo. Seis meses antes do festival, a Record
promoveu uma bizarra passeata contra a guitarra elétrica. O
instrumento seria o símbolo da dominação estrangeira, mas o
protesto, liderado por Elis Regina, Geraldo Vandré e Gilberto Gil,
foi ridicularizado pela imprensa.
Gil
(1942), que não acreditava em nada daquilo, logo viu que tinha se
precipitado. Afinal, ele ficara enlouquecido com o álbum Sgt.
Peppers, dos Beatles, e pensava em apresentar sua música no
festival com guitarras, muitas guitarras, e outras sonoridades do
rock internacional. Como os amigos e parceiros Caetano Veloso,
Torquato Neto e Capinam, Gil não estava satisfeito com o
nacionalismo ortodoxo da MPB e queria uma nova música brasileira,
com uma linguagem pop que misturasse os ritmos nacionais com o rock e
outros gêneros, num estilo que no futuro seria chamado de
tropicalista.
Quando
Gil mostrou a sua música a amigos e concorrentes, todos ficaram
apavorados: seria muito difícil ganhar de “Domingo no parque”.
Era um baião, mas um baião muito diferente de tudo o que se
conhecia, com uma letra que parecia um filme, com seus closes, planos
gerais e travellings em montagem fragmentada, contando a
história de um triângulo amoroso que termina em sangue e morte na
roda-gigante de um parque de diversões.
Para
o festival, Gil encomendou ao maestro Rogério Duprat um grande
arranjo de orquestra, inspirado nos de George Martin para os Beatles,
e chamou um jovem trio de rock para cantar e tocar com ele: os
Mutantes, com a guitarra de Sérgio Dias, o baixo de Arnaldo Baptista
e os vocais e as percussões de Rita Lee.
Mesmo
em um festival marcado por vaias ferozes e generalizadas, a canção
de Gil impôs respeito e empolgou o público, que sentia estar diante
de algo realmente novo na música brasileira. Sim, a guitarra e o
baixo roqueiros se misturavam muito bem com o baião, se harmonizavam
com as sonoridades clássicas das cordas e dos metais da orquestra em
fraseados modernos e elegantes, em perfeita sincronia com a letra
dramática e cinematográfica.
“Domingo
no parque” empolgou, provocou grande polêmica, mas não ganhou,
embora a maioria dos concorrentes a considerassem a melhor – e mais
inovadora – canção do festival. Numa disputa apertadíssima,
perdeu para “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam, quintessência da
melhor MPB possível em letra e música, enquanto Chico Buarque
ficava em terceiro com “Roda viva” e Caetano Veloso, em quarto
com “Alegria, alegria”.
A
música brasileira nunca mais seria a mesma depois daquela noite em
1967, em que nasceu, mas ainda sem ser batizado, o Tropicalismo.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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