Depois
de esporádicas e perplexas meditações sobre o cosmos, cheguei a
várias conclusões óbvias (o óbvio é muito importante: garante
certa veracidade). Em primeiro lugar concluí que há o infinito,
isto é, o infinito não é uma abstração matemática, mas algo que
existe. Nós estamos tão longe de compreender o mundo que nossa
cabeça não consegue raciocinar senão à base de finitos. Depois me
ocorreu que se o cosmos fosse finito, eu de novo teria um problema
nas mãos: pois, depois do finito, o que começaria? Depois cheguei à
conclusão, muito humilde minha, de que Deus é o infinito. Nessas
minhas divagações também me dei conta do pouco que sabia, e isso
resultou numa alegria: a da esperança. Explico-me: o pouco que sei
não dá para compreender a vida, então a explicação está no que
desconheço e que tenho a esperança de poder vir a conhecer um pouco
mais.
O
belo do infinito é que não existe um adjetivo sequer que se possa
usar para defini-lo. Ele é, apenas isso: é. Nós nos ligamos ao
infinito através do inconsciente. Nosso inconsciente é infinito.
O
infinito não esmaga, pois em relação a ele não se pode sequer
falar em grandeza ou mesmo em incomensurabilidade. O que se
pode fazer é aderir ao infinito. Sei o que é o absoluto porque
existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha
esperança: não sei adjetivar. O que é uma segurança. A
adjetivação é uma qualidade, e o inconsciente, como o infinito,
não tem qualidades nem quantidades. Eu respiro o infinito. Olhando
para o céu, fico tonta de mim mesma.
O
absoluto é de uma beleza indescritível e inimaginável pela mente
humana. Nós aspiramos a essa beleza. O sentimento de beleza é o
nosso elo com o infinito. É o modo como podemos aderir a ele. Há
momentos, embora raros, em que a existência do infinito é tão
presente que temos uma sensação de vertigem. O infinito é um vir a
ser. É sempre o presente, indivisível pelo tempo. Infinito é o
tempo. Espaço e tempo são a mesma coisa. Que pena eu não entender
de física e de matemática para poder, nessa minha divagação
gratuita, pensar melhor e ter o vocabulário adequado para a
transmissão do que sinto.
Espanta-me
a nossa fertilidade: o homem chegou com os séculos a dividir o tempo
em estações do ano. Chegou mesmo a tentar dividir o infinito em
dias, meses, anos, pois o infinito pode constranger muito e
confranger o coração. E, diante da angústia, trazemos o infinito
até o âmbito de nossa consciência e o organizamos em forma humana
simplificada. Sem essa forma ou outra qualquer de organização,
nosso consciente teria uma vertigem perigosa como a loucura. Ao mesmo
tempo, para a mente humana, é uma fonte de prazer a eternidade do
infinito: nós, sem entendê-lo, compreendemos. E, sem entender,
vivemos. Nossa vida é apenas um modo do infinito. Ou melhor: o
infinito não tem modos. Qual a forma mais adequada para que o
consciente açambarque o infinito? Pois quanto ao inconsciente, como
já foi dito, este o admite pela simples razão de também sê-lo.
Será que entenderíamos melhor o infinito se desenhássemos um
círculo? Errei. O círculo é uma forma perfeita, mas que pertence à
nossa mente humana, restrita pela sua própria natureza. Pois na
verdade até o círculo seria um adjetivo inútil para o infinito. Um
dos equívocos naturais nossos é achar que, a partir de nós, é o
infinito. Nós não conseguimos pensar no existo sem tomarmos como
ponto de vista o a partir de nós.
Para
falar a verdade, já me perdi e nem sei mais do que estou falando.
Bem, tenho mais o que fazer do que escrever tolices sobre o infinito.
É, por exemplo, hora do almoço e a empregada avisou que já está
servido. Era mesmo tempo de parar.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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