quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O pássaro em ascensão

Íamos entrevistar a conhecidíssima poetisa Janice Altrice. O editor de America in Poetry estava me pagando 175 dólares para entrevistá-la. Tony me acompanhava com sua câmera. Ia ganhar cinquenta dólares pelas fotos. Eu tomara um gravador emprestado. A casa ficava nos morros, subindo uma longa estrada. Encostei o carro, tomei um trago de vodca e passei a garrafa para Tony.
Ela bebe? – perguntou Tony.
Provavelmente não – respondi.
Liguei o carro e seguimos. Dobramos à direita e subimos uma estrada de terra estreita. Janice nos esperava, parada na frente. Vestia calça comprida e uma blusa branca com gola alta de renda. Saltamos do carro e fomos até onde ela se postara, na encosta gramada. Apresentamo-nos e eu liguei o gravador de pilha.
Tony vai fazer umas fotos de você – eu disse –, seja natural.
Claro – ela disse.
Subimos a encosta e ela apontou a casa.
Compramos quando os preços estavam muito baixos. Agora não poderíamos. – Depois apontou uma casa menor no lado do morro. – Ali é meu estúdio, nós mesmos construímos. Tem até banheiro. Venham ver.
Nós a seguimos. Ela tornou a apontar.
Esses leitos de flores. Nós mesmos plantamos. Temos mesmo jeito com as flores.
Lindo – disse Tony.
Ela abriu a porta de seu estúdio e entramos. Era grande e frio, com ótimas mantas e artesanatos indígenas nas paredes. Havia uma lareira, a estante, uma mesa grande com uma máquina de escrever elétrica, um dicionário não condensado, papel ofício, cadernos. Ela era pequena, com um corte de cabelo muito curto. Sobrancelhas grossas. Sorria muito. No canto de um olho, tinha uma cicatriz profunda que parecia ter sido esculpida com um canivete.
Vejamos – eu disse –, você tem um metro e cinquenta e cinco e pesa...?
Cinquenta e um quilos.
Idade?
Janice riu quando Tony fez a foto.
É uma prerrogativa feminina não responder a esta pergunta. – Tornou a rir. – Diga apenas que eu sou atemporal.
Era uma mulher imponente. Eu podia vê-la atrás do pódio de uma universidade, recitando seus poemas, respondendo perguntas, preparando uma nova geração de poetas, orientando-os para a vida. Provavelmente tinha boas pernas também. Tentei imaginá-la na cama, mas não consegui.
Em que está pensando? – ela perguntou.
Você é intuitiva?
Claro. Vou preparar um café. Vocês dois precisam beber alguma coisa.
Tem razão.
Janice preparou o café e saímos. Saímos por uma porta lateral. Havia um playground em miniatura, balanços e trapézios, montes de areia, coisas desse tipo. Um garoto de uns dez anos desceu correndo a encosta.
Esse é Jason, meu caçula, meu bebê – disse Janice, da entrada.
Jason era um jovem deus de cabelos assanhados, louro, calças curtas e uma blusa roxa frouxa. Sapatos azul e branco. Parecia saudável e vivo.
Mamãe, mamãe! Me empurra no balanço! Empurra, empurra! – Jason correu para o balanço, trepou e ficou à espera.
Agora, não, Jason, estamos ocupados.
Empurra, empurra, mamãe!
Agora, não, Jason...
MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE – berrou Jason.
Janice aproximou-se e pôs-se a balançar Jason. Ele ia para a frente e para trás. Esperamos. Após bastante tempo, acabaram e Jason desceu. Um grosso fio de ranho verde escorria-lhe de uma das narinas. Ele se aproximou de mim.
Eu gosto de me masturbar – disse, e correu.
Nós não o inibimos – disse Janice. Olhou acima dos morros, sonhadoramente. – Antes a gente cavalgava aqui. Lutamos contra os especuladores imobiliários. Agora o mundo externo está se aproximando cada vez mais. Mas ainda é bonito. Foi depois que caí de um cavalo e quebrei uma perna que escrevi meu livro, O Pássaro em Ascensão, um Coro de Magia.
É, eu me lembro – disse Tony.
Plantei aquela sequoia há vinte e cinco anos – ela apontou. – A nossa era a única casa aqui naquele tempo, mas tudo muda, não é? Sobretudo a poesia. Tem muita coisa nova e sensacional. E também tem tanta coisa horrível.
Voltamos para dentro e ela serviu o café. Ficamos sentados, tomando o café. Perguntei-lhe quem eram seus poetas favoritos. Janice apressou-se a citar alguns dos mais jovens: Sandra Merrill, Cynthia Westfall, Roberta Lowell, Irmã Sarah Norbert e Adrian Poor.
Escrevi meu primeiro poema na escola primária, um poema do Dia das Mães. A professora gostou tanto que me pediu para eu ler diante da classe.
Seu primeiro recital de poesia, hem?
Janice riu.
É, pode-se dizer que sim. Tenho muitas saudades de meus pais. Morreram há mais de vinte anos.
Isso não é comum.
Não tem nada de incomum no amor – ela disse.
Nascera em Huntington Beach e vivera toda a sua vida na costa oeste. O pai era um policial. Janice começara a escrever sonetos no ginásio, onde tivera a sorte de pertencer a uma classe que tinha como professora Inez Claire Dickey.
Ela me introduziu na disciplina da forma poética.
Serviu mais café.
Eu sempre levei a sério a condição de poeta. Estudei com Ivor Summers em Stanford. Minha primeira publicação foi Uma Antologia de Poetas Ocidentais, editada por Summers.
Summers exercera uma profunda influência sobre ela – a princípio. O grupo de Summers era bom: Ashberry Charleton, Webdon Wilbur e Mary Cather Henderson.
Mas depois Janice desligara-se e juntara-se aos poetas do “verso longo”.
Fazia direito e também estudava poesia. Depois de formar-se, tornara-se secretária jurídica. Casara-se com o namorado do ginásio no início da década de 1940, “aqueles sombrios e trágicos anos de guerra”. O marido era bombeiro.
Evoluí para poetisa-dona-de-casa.
Tem um banheiro? – perguntei.
A porta à esquerda.
Entrei no banheiro, enquanto Tony circulava em torno dela fazendo fotos. Urinei e tomei uma boa talagada de vodca. Fechei o zíper, saí do banheiro e tornei a me sentar.
No fim da década de 1940, os poemas de Janice Altrice começaram a desabrochar em várias publicações periódicas. Seu primeiro livro, Ordeno que Tudo Seja Verde, foi publicado por Allan Swillout. Seguiu-se Pássaro, Pássaro, Pássaro, Nunca Morra, também publicado por Swillout.
Voltei para a escola – ela disse. – A UCLA. Fiz um bacharelado em jornalismo e outro em inglês. Obtive o Ph.D. em inglês um ano depois, e desde o início da década de 1960 ensino inglês e Literatura de Criação aqui na Universidade do Estado.
Muitos prêmios adornavam as paredes de Janice: uma medalha de prata do Clube de Afídios de Los Angeles por seu poema “Tintella”; um diploma de primeiro lugar do Grupo de Poesia da Montanha de Lodestone por seu poema “O Tambor Sábio”. Muitos outros prêmios e homenagens. Janice foi à sua mesa e pegou algumas de suas obras em andamento. Leu-nos vários poemas longos. Mostravam um crescimento impressionante. Perguntei-lhe o que achava do panorama da poesia contemporânea.
Muita gente – ela disse – se diz poeta. Mas não tem formação, sentimento pelo ofício. Os selvagens tomaram o castelo. Não há carpintaria, cuidado, apenas uma exigência de ser aceito. E todos esses novos poetas parecem admirar-se uns aos outros. Isso me preocupa, e tenho conversado com muitos de meus amigos poetas. Todo jovem poeta parece pensar que só precisa de uma máquina de escrever e algumas folhas de papel. Não estão preparados, não têm nenhum preparo.
Acho que não – eu disse. – Tony, já tem fotos o bastante?
Já – disse Tony.
Outra coisa que me perturba – disse Janice – é que os poetas do Establishment do leste recebem prêmios e bolsas demais. Os do oeste são ignorados.
Talvez os poetas do leste sejam melhores – eu disse.
Eu certamente não acho.
Bem – eu disse –, acho que é hora de a gente ir embora. Uma última pergunta: como você vê a escrita de um poema?
Ela fez uma pausa. Seus longos dedos alisaram delicadamente o grosso tecido que cobria sua poltrona. O sol poente entrava enviesado pela janela e lançava sombras na sala. Ela falou devagar, como num sonho.
Eu começo a sentir um poema de muito longe. Ele se aproxima de mim, como um gato, atravessando o tapete. Suavemente, mas não com desprezo. Leva sete ou oito dias. Eu sinto uma agitação deliciosa, uma excitação, é uma sensação muito especial. Sei que ele está ali, e depois se precipita, e é fácil, tão fácil. A glória que é criar um poema, é tão nobre, tão sublime!
Desliguei o gravador.
Obrigado, Janice, vou lhe mandar exemplares da entrevista quando for publicada.
Espero que tenha saído tudo bem.
Foi tudo muito bem, estou certo.
Ela nos acompanhou até a porta. Tony e eu descemos a encosta até o carro. Eu me voltei uma vez. Ela estava lá parada. Acenei. Janice sorriu e acenou de volta. Entramos, contornamos a curva, e eu parei o carro e destampei a garrafa de vodca.
Deixe um gole pra mim – disse Tony.
Eu tomei um gole e deixei outro para ele.
Tony jogou a garrafa pela janela. Seguimos, descendo rapidamente os morros. Bem, era melhor do que trabalhar numa lavadora de carros. Eu só tinha de datilografar a transcrição da fita e escolher duas ou três fotos. Saímos das colinas bem a tempo de pegar a hora do rush. Foi absolutamente uma merda. Podíamos ter cronometrado muito melhor.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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