Íamos
entrevistar a conhecidíssima poetisa Janice Altrice. O editor de
America in Poetry estava me pagando 175 dólares para
entrevistá-la. Tony me acompanhava com sua câmera. Ia ganhar
cinquenta dólares pelas fotos. Eu tomara um gravador emprestado. A
casa ficava nos morros, subindo uma longa estrada. Encostei o carro,
tomei um trago de vodca e passei a garrafa para Tony.
– Ela
bebe? – perguntou Tony.
– Provavelmente
não – respondi.
Liguei
o carro e seguimos. Dobramos à direita e subimos uma estrada de
terra estreita. Janice nos esperava, parada na frente. Vestia calça
comprida e uma blusa branca com gola alta de renda. Saltamos do carro
e fomos até onde ela se postara, na encosta gramada. Apresentamo-nos
e eu liguei o gravador de pilha.
– Tony
vai fazer umas fotos de você – eu disse –, seja natural.
– Claro
– ela disse.
Subimos
a encosta e ela apontou a casa.
– Compramos
quando os preços estavam muito baixos. Agora não poderíamos. –
Depois apontou uma casa menor no lado do morro. – Ali é meu
estúdio, nós mesmos construímos. Tem até banheiro. Venham ver.
Nós
a seguimos. Ela tornou a apontar.
– Esses
leitos de flores. Nós mesmos plantamos. Temos mesmo jeito com as
flores.
– Lindo
– disse Tony.
Ela
abriu a porta de seu estúdio e entramos. Era grande e frio, com
ótimas mantas e artesanatos indígenas nas paredes. Havia uma
lareira, a estante, uma mesa grande com uma máquina de escrever
elétrica, um dicionário não condensado, papel ofício, cadernos.
Ela era pequena, com um corte de cabelo muito curto. Sobrancelhas
grossas. Sorria muito. No canto de um olho, tinha uma cicatriz
profunda que parecia ter sido esculpida com um canivete.
– Vejamos
– eu disse –, você tem um metro e cinquenta e cinco e pesa...?
– Cinquenta
e um quilos.
– Idade?
Janice
riu quando Tony fez a foto.
– É
uma prerrogativa feminina não responder a esta pergunta. – Tornou
a rir. – Diga apenas que eu sou atemporal.
Era
uma mulher imponente. Eu podia vê-la atrás do pódio de uma
universidade, recitando seus poemas, respondendo perguntas,
preparando uma nova geração de poetas, orientando-os para a vida.
Provavelmente tinha boas pernas também. Tentei imaginá-la na cama,
mas não consegui.
– Em
que está pensando? – ela perguntou.
– Você
é intuitiva?
– Claro.
Vou preparar um café. Vocês dois precisam beber alguma coisa.
– Tem
razão.
Janice
preparou o café e saímos. Saímos por uma porta lateral. Havia um
playground em miniatura, balanços e trapézios, montes de areia,
coisas desse tipo. Um garoto de uns dez anos desceu correndo a
encosta.
– Esse
é Jason, meu caçula, meu bebê – disse Janice, da entrada.
Jason
era um jovem deus de cabelos assanhados, louro, calças curtas e uma
blusa roxa frouxa. Sapatos azul e branco. Parecia saudável e vivo.
– Mamãe,
mamãe! Me empurra no balanço! Empurra, empurra! – Jason correu
para o balanço, trepou e ficou à espera.
– Agora,
não, Jason, estamos ocupados.
– Empurra,
empurra, mamãe!
– Agora,
não, Jason...
– MAMÃE
MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE MAMÃE – berrou Jason.
Janice
aproximou-se e pôs-se a balançar Jason. Ele ia para a frente e para
trás. Esperamos. Após bastante tempo, acabaram e Jason desceu. Um
grosso fio de ranho verde escorria-lhe de uma das narinas. Ele se
aproximou de mim.
– Eu
gosto de me masturbar – disse, e correu.
– Nós
não o inibimos – disse Janice. Olhou acima dos morros,
sonhadoramente. – Antes a gente cavalgava aqui. Lutamos contra os
especuladores imobiliários. Agora o mundo externo está se
aproximando cada vez mais. Mas ainda é bonito. Foi depois que caí
de um cavalo e quebrei uma perna que escrevi meu livro, O Pássaro
em Ascensão, um Coro de Magia.
– É,
eu me lembro – disse Tony.
– Plantei
aquela sequoia há vinte e cinco anos – ela apontou. – A nossa
era a única casa aqui naquele tempo, mas tudo muda, não é?
Sobretudo a poesia. Tem muita coisa nova e sensacional. E também tem
tanta coisa horrível.
Voltamos
para dentro e ela serviu o café. Ficamos sentados, tomando o café.
Perguntei-lhe quem eram seus poetas favoritos. Janice apressou-se a
citar alguns dos mais jovens: Sandra Merrill, Cynthia Westfall,
Roberta Lowell, Irmã Sarah Norbert e Adrian Poor.
– Escrevi
meu primeiro poema na escola primária, um poema do Dia das Mães. A
professora gostou tanto que me pediu para eu ler diante da classe.
– Seu
primeiro recital de poesia, hem?
Janice
riu.
– É,
pode-se dizer que sim. Tenho muitas saudades de meus pais. Morreram
há mais de vinte anos.
– Isso
não é comum.
– Não
tem nada de incomum no amor – ela disse.
Nascera
em Huntington Beach e vivera toda a sua vida na costa oeste. O pai
era um policial. Janice começara a escrever sonetos no ginásio,
onde tivera a sorte de pertencer a uma classe que tinha como
professora Inez Claire Dickey.
– Ela
me introduziu na disciplina da forma poética.
Serviu
mais café.
– Eu
sempre levei a sério a condição de poeta. Estudei com Ivor Summers
em Stanford. Minha primeira publicação foi Uma Antologia de
Poetas Ocidentais, editada por Summers.
Summers
exercera uma profunda influência sobre ela – a princípio. O grupo
de Summers era bom: Ashberry Charleton, Webdon Wilbur e Mary Cather
Henderson.
Mas
depois Janice desligara-se e juntara-se aos poetas do “verso
longo”.
Fazia
direito e também estudava poesia. Depois de formar-se, tornara-se
secretária jurídica. Casara-se com o namorado do ginásio no início
da década de 1940, “aqueles sombrios e trágicos anos de guerra”.
O marido era bombeiro.
– Evoluí
para poetisa-dona-de-casa.
– Tem
um banheiro? – perguntei.
– A
porta à esquerda.
Entrei
no banheiro, enquanto Tony circulava em torno dela fazendo fotos.
Urinei e tomei uma boa talagada de vodca. Fechei o zíper, saí do
banheiro e tornei a me sentar.
No
fim da década de 1940, os poemas de Janice Altrice começaram a
desabrochar em várias publicações periódicas. Seu primeiro livro,
Ordeno que Tudo Seja Verde, foi publicado por Allan Swillout.
Seguiu-se Pássaro, Pássaro, Pássaro, Nunca Morra, também
publicado por Swillout.
– Voltei
para a escola – ela disse. – A UCLA. Fiz um bacharelado em
jornalismo e outro em inglês. Obtive o Ph.D. em inglês um ano
depois, e desde o início da década de 1960 ensino inglês e
Literatura de Criação aqui na Universidade do Estado.
Muitos
prêmios adornavam as paredes de Janice: uma medalha de prata do
Clube de Afídios de Los Angeles por seu poema “Tintella”; um
diploma de primeiro lugar do Grupo de Poesia da Montanha de Lodestone
por seu poema “O Tambor Sábio”. Muitos outros prêmios e
homenagens. Janice foi à sua mesa e pegou algumas de suas obras em
andamento. Leu-nos vários poemas longos. Mostravam um crescimento
impressionante. Perguntei-lhe o que achava do panorama da poesia
contemporânea.
– Muita
gente – ela disse – se diz poeta. Mas não tem formação,
sentimento pelo ofício. Os selvagens tomaram o castelo. Não há
carpintaria, cuidado, apenas uma exigência de ser aceito. E todos
esses novos poetas parecem admirar-se uns aos outros. Isso me
preocupa, e tenho conversado com muitos de meus amigos poetas. Todo
jovem poeta parece pensar que só precisa de uma máquina de escrever
e algumas folhas de papel. Não estão preparados, não têm nenhum
preparo.
– Acho
que não – eu disse. – Tony, já tem fotos o bastante?
– Já
– disse Tony.
– Outra
coisa que me perturba – disse Janice – é que os poetas do
Establishment do leste recebem prêmios e bolsas demais. Os do
oeste são ignorados.
– Talvez
os poetas do leste sejam melhores – eu disse.
– Eu
certamente não acho.
– Bem
– eu disse –, acho que é hora de a gente ir embora. Uma última
pergunta: como você vê a escrita de um poema?
Ela
fez uma pausa. Seus longos dedos alisaram delicadamente o grosso
tecido que cobria sua poltrona. O sol poente entrava enviesado pela
janela e lançava sombras na sala. Ela falou devagar, como num sonho.
– Eu
começo a sentir um poema de muito longe. Ele se aproxima de mim,
como um gato, atravessando o tapete. Suavemente, mas não com
desprezo. Leva sete ou oito dias. Eu sinto uma agitação deliciosa,
uma excitação, é uma sensação muito especial. Sei que ele está
ali, e depois se precipita, e é fácil, tão fácil. A glória que é
criar um poema, é tão nobre, tão sublime!
Desliguei
o gravador.
– Obrigado,
Janice, vou lhe mandar exemplares da entrevista quando for publicada.
– Espero
que tenha saído tudo bem.
– Foi
tudo muito bem, estou certo.
Ela
nos acompanhou até a porta. Tony e eu descemos a encosta até o
carro. Eu me voltei uma vez. Ela estava lá parada. Acenei. Janice
sorriu e acenou de volta. Entramos, contornamos a curva, e eu parei o
carro e destampei a garrafa de vodca.
– Deixe
um gole pra mim – disse Tony.
Eu
tomei um gole e deixei outro para ele.
Tony
jogou a garrafa pela janela. Seguimos, descendo rapidamente os
morros. Bem, era melhor do que trabalhar numa lavadora de carros. Eu
só tinha de datilografar a transcrição da fita e escolher duas ou
três fotos. Saímos das colinas bem a tempo de pegar a hora do rush.
Foi absolutamente uma merda. Podíamos ter cronometrado muito melhor.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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