quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A morte do pai II

Minha mãe morrera um ano antes. Uma semana após a morte de meu pai, eu estava na casa dele, sozinho. Era em Arcadia, e o mais perto que eu chegara daquela casa em algum tempo fora ao passar pela autoestrada a caminho de Santa Anita.
Eu era desconhecido para os vizinhos. O funeral acabara, e eu me dirigi à pia, enchi um copo d’água, bebi-o, depois saí.
Sem saber que outra coisa fazer, peguei a mangueira, abri a água e comecei a aguar os arbustos. Cortinas correram enquanto eu estava parado no gramado da frente. Depois eles começaram a sair de suas casas. Uma mulher veio do outro lado da rua.
Você é Henry? – ela me perguntou.
Respondi-lhe que era Henry.
Conhecíamos seu pai há anos.
Aí o marido aproximou-se.
Conhecemos sua mãe também – ele disse.
Eu me curvei e fechei a mangueira.
Não querem entrar? – perguntei.
Eles se apresentaram como Tom e Nellie Miller, e entramos em casa.
Você é a cara do seu pai.
É, é o que me dizem.
Sentamo-nos e ficamos olhando uns para os outros.
Oh – disse a mulher –, ele tinha tantos quadros. Devia gostar de quadros.
É, gostava, né?
Eu adoro aquele quadro do moinho no pôr do sol.
Pode ficar com ele.
Oh, posso?
A campainha tocou. Eram os Gibsons. Eles me disseram que também tinham sido vizinhos de meu pai durante anos.
Você é a cara do seu pai – disse a Sra. Gibson.
Henry nos deu o quadro do moinho.
Isso é ótimo. Eu adoro aquele quadro do cavalo azul.
Pode ficar com ele, Sra. Gibson.
Oh, não está falando sério.
Sim, está tudo bem.
A campainha tornou a tocar, e outro casal entrou. Deixei a porta entreaberta. Logo um homem enfiou a cabeça.
Eu sou Doug Hudson. Minha esposa está no cabeleireiro.
Entre, Sr. Hudson.
Outros chegaram, a maioria aos pares. Começaram a circular pela casa.
Vai vender a casa?
Acho que vou.
É um bairro adorável.
Estou vendo.
Oh, eu adoro aquela moldura, mas não gosto do quadro.
Leve a moldura.
Mas que vou fazer com o quadro?
Jogue no lixo. – Olhei em volta. – Se alguém vir um quadro que goste, por favor, leve.
Pegaram. Em breve as paredes estavam nuas.
Você precisa dessas cadeiras?
Não, na verdade, não.
Passantes entravam da rua, e nem todos se davam o trabalho de apresentar-se.
E o sofá? – perguntou alguém em voz muito alta. – Você quer?
Não quero o sofá – eu disse.
Levaram o sofá, depois a mesa do café da manhã e as cadeiras.
Tem uma torradeira aí, não tem, Henry?
Levaram a torradeira.
Não precisa dos pratos, precisa?
Não.
E a prataria?
Não.
E a chaleira e o liquidificador?
Levem.
Uma das senhoras abriu um armário na varanda dos fundos.
E todas essas frutas em conserva? Você jamais vai poder comer tudo isso.
Tudo bem, peguem todos um pouco. Mas tentem dividir igualmente.
Oh, eu quero os morangos!
Oh, eu quero os figos!
Oh, eu quero a geleia!
As pessoas saíam e voltavam, trazendo outras consigo.
Escuta, tem uma garrafa de uísque aqui no armário! Você bebe, Henry?
Deixe o uísque.
A casa estava ficando lotada. A descarga do banheiro funcionou. Alguém derrubou um copo da pia e quebrou-o.
É melhor ficar com esse aspirador, Henry. Pode usar ele em seu apartamento.
Tudo bem, vou ficar.
Ele tinha umas ferramentas de jardinagem na garagem. E elas?
Não, é melhor eu ficar com essas.
Dou quinze dólares pelas ferramentas de jardinagem.
Tudo bem.
Ele me deu quinze dólares e eu lhe dei a chave da garagem. Em breve se podia ouvi-lo rolando o aparador de grama para sua casa no outro lado da rua.
Você não devia ter vendido todo aquele equipamento a ele por quinze dólares, Henry. Valia muito mais.
Não respondi.
E o carro? Já tem quatro anos.
Acho que vou ficar com o carro.
Dou cinquenta dólares por ele.
Acho que vou ficar com o carro.
Alguém enrolou o tapete da sala da frente. Depois disso, começaram a perder o interesse. Em breve restavam apenas três ou quatro, depois foram-se todos. Deixaram-me a mangueira do jardim, a cama, a geladeira e o fogão, e um rolo de papel higiênico.
Saí e fechei a porta da garagem. Dois meninos passaram de patins. Pararam quando eu fechava as portas da garagem.
Está vendo aquele cara?
Estou.
O pai dele morreu.
Foram em frente. Eu peguei a mangueira, abri a torneira e comecei a aguar as rosas.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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