quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Reservistas Morais

É a lama, é a lama.
Tom Jobim é profeta mesmo. Sua simplicidade, charuto, chopinho e chapéu de palha lavam nossa alma. Chega de gnomos, duendes, magos, bruxos, parafernália fascista, capuzes da KKK e outras babaquices que acabam em assassinatos de crianças.
Em matéria da fantasia de mau gosto, sou muito mais o Clóvis Bornay: admite que isso é coisa de viado e não perde o humor.
Tentando manter a cabeça fora do oceano de dejetos que ameaça nos engolfar, procuro descobrir nossas verdadeiras reservas morais.
A “revolução” de 64 extrapolou em declaratrolhas moralizantes de generais esclerosados. Deu no que deu: torturas nos porões, contrabando, tráfico, contravenção, mamatas e assassinatos – um regime que caiu de podre.
Na zona mística, temos Frei Damião, Irmã Dulce, Padim Ciço e Enoli Lara.
De repente me ocorre a existência de um último baluarte, pelo rigor de suas convicções, pela batalha quase diária para não ceder às tentações avassaladoras, pelo sofrimento atroz gerado por sua probidade. Refiro-me ao massagista de Vera Fischer.
O atual é Odirley Matsubara, nipo-madureirense e asceta. Sim, porque pra dar massagem em Vera Fischer ou o sujeito é asceta ou tem uma crise convulsiva.
Por meio de meu amigo Baiano, que bebe num pé-sujo com Filipe Camargo, descobri o telefone desse herói do nosso tempo. Depois de engolir um Lorax, marquei sessão de massagem, pretextando o acidente que sofri em 1992.
Quando vi Odirley no olho mágico, sem sacanagem, quase chorei. Um santo. Aquela resignação, olhos macerados por noites mal dormidas, a profusão de tiques. Céus, tudo indicava um homem submetido a pressões quase insuportáveis.
Falei do tempo, das CPIs, dos CPFs falsos, de suborno, corrupção, propinas – do trivial variado em nossa pátria. Quando o suburjapa abriu a guarda, sibilei:
Você também é massagista da Vera.
O cara começou a trepidar como se a falha de Santo Andreas tivesse chegado à Tijuca. Seus olhos se encheram de lágrimas e ouvi o mais doloroso suspiro de todos os tempos. Nem Collor, quando sentiu a recueta da cunhada, suspirou assim.
Contei a Odirley minha vida sexual, chorei, gemi, implorei. Eu queria ver uma vezinha só. Minha exaltação fez com que ele compreendesse o essencial: estávamos ligados por carma semelhante; éramos almas torturadas pelo mesmo drama.
Na massagem seguinte, eu e o Bara nos sentíamos como amigos de infância. Ele telefonou pra Vera, disse que estava gripado mas que fazia questão de recomendar um substituto de toda a confiança: Seishonoêi Blanc.
Daquele dia fatídico, só me lembro do momento em que me vi a sós com Vera Fischer: Vera, védica, vereda, o Grande Canyon de bruços, coberto por uma toalhinha exígua. Ela me olhou, muito séria, e disse: “Oi”.
Acordei na UTI do Miguel Couto.
Hoje, eu e meu amigo formamos a dupla sertaneja Matsubara e Sheishonoêi. Estamos em fase de ensaios. Restringimos nossas apresentações à Aemvefa (Associação de Ex-Massagistas da Vera Fischer Anônimos). Ficamos lá, cantando, entoando preces, dando força aos outros quase dois mil sócios que tentam vencer a atração fatal. De tardinha, dirigimo-nos em fila indiana para a sede de outra agremiação, a Paquifica (Palhaços Que Invejam Filipe Camargo). É pertinho.

Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo

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