É
a lama, é a lama.
Tom
Jobim é profeta mesmo. Sua simplicidade, charuto, chopinho e chapéu
de palha lavam nossa alma. Chega de gnomos, duendes, magos, bruxos,
parafernália fascista, capuzes da KKK e outras babaquices que acabam
em assassinatos de crianças.
Em
matéria da fantasia de mau gosto, sou muito mais o Clóvis Bornay:
admite que isso é coisa de viado e não perde o humor.
Tentando
manter a cabeça fora do oceano de dejetos que ameaça nos engolfar,
procuro descobrir nossas verdadeiras reservas morais.
A
“revolução” de 64 extrapolou em declaratrolhas moralizantes de
generais esclerosados. Deu no que deu: torturas nos porões,
contrabando, tráfico, contravenção, mamatas e assassinatos – um
regime que caiu de podre.
Na
zona mística, temos Frei Damião, Irmã Dulce, Padim Ciço e Enoli
Lara.
De
repente me ocorre a existência de um último baluarte, pelo rigor de
suas convicções, pela batalha quase diária para não ceder às
tentações avassaladoras, pelo sofrimento atroz gerado por sua
probidade. Refiro-me ao massagista de Vera Fischer.
O
atual é Odirley Matsubara, nipo-madureirense e asceta. Sim, porque
pra dar massagem em Vera Fischer ou o sujeito é asceta ou tem uma
crise convulsiva.
Por
meio de meu amigo Baiano, que bebe num pé-sujo com Filipe Camargo,
descobri o telefone desse herói do nosso tempo. Depois de engolir um
Lorax, marquei sessão de massagem, pretextando o acidente que sofri
em 1992.
Quando
vi Odirley no olho mágico, sem sacanagem, quase chorei. Um santo.
Aquela resignação, olhos macerados por noites mal dormidas, a
profusão de tiques. Céus, tudo indicava um homem submetido a
pressões quase insuportáveis.
Falei
do tempo, das CPIs, dos CPFs falsos, de suborno, corrupção,
propinas – do trivial variado em nossa pátria. Quando o suburjapa
abriu a guarda, sibilei:
– Você
também é massagista da Vera.
O
cara começou a trepidar como se a falha de Santo Andreas tivesse
chegado à Tijuca. Seus olhos se encheram de lágrimas e ouvi o mais
doloroso suspiro de todos os tempos. Nem Collor, quando sentiu a
recueta da cunhada, suspirou assim.
Contei
a Odirley minha vida sexual, chorei, gemi, implorei. Eu queria ver
uma vezinha só. Minha exaltação fez com que ele compreendesse o
essencial: estávamos ligados por carma semelhante; éramos almas
torturadas pelo mesmo drama.
Na
massagem seguinte, eu e o Bara nos sentíamos como amigos de
infância. Ele telefonou pra Vera, disse que estava gripado mas que
fazia questão de recomendar um substituto de toda a confiança:
Seishonoêi Blanc.
Daquele
dia fatídico, só me lembro do momento em que me vi a sós com Vera
Fischer: Vera, védica, vereda, o Grande Canyon de bruços, coberto
por uma toalhinha exígua. Ela me olhou, muito séria, e disse: “Oi”.
Acordei
na UTI do Miguel Couto.
Hoje,
eu e meu amigo formamos a dupla sertaneja Matsubara e Sheishonoêi.
Estamos em fase de ensaios. Restringimos nossas apresentações à
Aemvefa (Associação de Ex-Massagistas da Vera Fischer Anônimos).
Ficamos lá, cantando, entoando preces, dando força aos outros quase
dois mil sócios que tentam vencer a atração fatal. De tardinha,
dirigimo-nos em fila indiana para a sede de outra agremiação, a
Paquifica (Palhaços Que Invejam Filipe Camargo). É pertinho.
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo
Nenhum comentário:
Postar um comentário