Sei
que no ano passado não respondi ao seu cartão de Natal, embora ele
me tivesse comovido — nós estávamos tão longe! Durante o ano,
várias vezes pensei em lhe escrever; mas talvez eu fosse à Europa,
e então seria melhor, quem sabe a gente poderia se ver.
Meses
atrás alguém me falou de você; estava bela e triste em Paris,
hesitava em casar com um americano... Casou-se? E onde passou o
Natal? Imagino que outra vez no país do Báltico, numa velha
fazenda, junto de seus filhos. Saiba — isso não lhe fará mal —
que há duas semanas, numa velha fazenda do Brasil, numa noite de
Natal de muita chuva, houve um homem que acordou de madrugada
pensando em você.
Sua
beleza apenas não explica isso; nem essa graça frívola e
melancólica; nem nossa amizade tão rápida, tão pouca. Entretanto,
quando despertei por acaso, na madrugada, estava pensando em você, e
gravemente, seriamente, com o sentimento de que era urgente que você
estivesse tendo um feliz Natal. Lembra-se aquela tarde, no Coliseu?
Escurecia,
mas ainda havia luzes estranhas nas nuvens que pareciam pintadas por
El Greco. E no imenso anfiteatro em ruínas acenderam-se pequenas
chamas trêmulas, como no tempo dos imperadores.
Estávamos
quietos, ouvindo música; voltei-me lentamente; silenciosa, você
chorava. Ficamos mais amigos; aquelas luzes, a música, a criança
que naquele dia fazia anos e em quem você pensava, tudo isso reviveu
um instante nesta última noite de Natal enquanto a chuva batia no
telhado.
Acordei;
e sem acender a luz, fiquei olhando a noite de chuva pela janela
aberta; os gritos haviam se calado, havia apenas raros sapos coaxando
na noite triste. Havia aquele cartão de Natal do ano passado que eu
não respondi. E então eu senti que era preciso que você naquele
instante, em algum país em que estivesse caindo muita neve?,
estivesse cálida e feliz, os olhos iluminados de uma alegria triste
da infância.
Onde?
Não importava; ainda meio dormindo eu tinha a ilusão de que,
pensando intensamente em você, eu estava, de algum modo, naquele
momento, ajudando você; como se através das noites do mundo a
ternura de uni homem grisalho diante de uma janela escura pudesse
atravessar mares e terras para abençoar a trêmula cabeça de
alguém.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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