Lançado
em 1966, o álbum Os afro-sambas é um marco divisor da música
popular brasileira. Mas a revolução estética sintetizada nesse
disco começara em 1962, quando o virtuoso violonista fluminense
nascido Baden Powell de Aquino (1937-2000) começou a compor em
parceria com Vinicius de Moraes. É desse período “Samba da
bênção”, obra-prima de síntese rítmica e poesia popular de
alta densidade, anunciando as inovações formais de Baden e
Vinicius. O samba é um dos destaques do álbum Vinicius &
Odette Lara, editado em 1963, ao lado de mais onze composições
da então recém-inaugurada parceria, incluindo outros pioneiros
afro-sambas como “Berimbau”, “Labareda” e “Deixa”.
Com
suas canções impregnadas de magia, paixão e negritude, Baden e
Vinicius avançaram muito além da já esgotada fórmula da bossa
nova, que saía de moda no Brasil e começava sua brilhante carreira
internacional. Os afro-sambas anunciavam o futuro bebendo no passado
ancestral, abrindo trilhas que logo seriam seguidas por muitos
outros, reaproximando o samba de suas fontes afro-baianas e mudando o
rumo da música brasileira.
Na
letra autobiográfica, o poeta se apresenta (“Eu, por exemplo, o
capitão do mato / Vinicius de Moraes / Poeta e diplomata / O branco
mais preto do Brasil / Na linha direta de Xangô, saravá!”) com
uma declaração de identidade cultural e oferece um manual de vida:
“É
melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que
existe / é assim como a luz no coração / Mas pra fazer um samba
com beleza / É preciso um bocado de tristeza / senão não se faz um
samba, não.”
Tão
importante quanto a melodia simples sobre dois acordes e um ritmo
irresistível é a parte falada, em que, sobre a base rítmica do
violão de Baden, Vinicius homenageava amigos e mestres do passado e
do presente pedindo-lhes a bênção: “A bênção, Dorival Caymmi,
João Gilberto, Pixinguinha, Noel Rosa, Tom Jobim, Carlos Lyra,
Nelson Cavaquinho, Cartola, Ary Barroso e muitos outros”, dedicando
a cada um deles uma pequena declaração de amor, respeito e amizade.
Entre
eles, o maestro Moacir Santos (“que não és um só, és tantos”)
merece crédito à parte. Afinal, a gravação original de “Samba
da bênção”, em Vinicius & Odette Lara, tinha arranjo
e regência dele. Maestro, arranjador, orquestrador, saxofonista,
compositor e também professor de dezenas de músicos da época,
incluindo Baden Powell, Moacir já vinha procurando essa reconexão
com a África em sua música, que foi reunida em seu fundamental
primeiro álbum, Coisas (1965).
Sem
espaço no Brasil, Moacir (1926-2006) foi viver e ensinar nos Estados
Unidos em 1967 e nunca mais voltou.
Em
1966, com a versão em francês de Pierre Barouh e o título de
“Saravá”, fez grande sucesso na França, cantada por Barouh no
popularíssimo filme Um homem, uma mulher, de Claude Lelouch.
Em
2000, fez sucesso internacional em uma versão electrobossa de Bebel
Gilberto.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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