Certamente
ela desceu para este pomar, aventurou-se para junto da mata, ouviu
cantar esses pássaros. E na varanda, de tarde, talvez tenha pensado
em mim. De algum modo eu vivi aqui, eu existi um pouco nessas alturas
há longos, longos anos.
Só
as árvores mais antigas poderiam saber esse velho segredo triste,
esse amor que se perdeu para sempre; este pensamento é tão pueril e
romântico, essa coisa das árvores saberem coisas e se lembrarem das
pobres coisas da gente! Sinto-me só, triste, vazio, diante da
lembrança desse amor antigo que em certo momento era tudo o que
existia no mundo e que, entretanto, não existe mais, e é como se
não tivesse existido, vive apenas na pueril, inexistente lembrança
dessas velhas árvores, dessa água fria que desce da montanha
cantando.
O
rapaz moreno e magro que alguém um dia entreviu em meio a esses
troncos é um triste senhor, agora real, vestido de preto, sentado
aqui. A imaginar histórias tolas de velhas árvores que saberiam
coisas, que sentiriam e guardariam pensamentos que alguém há muito
tempo, há tanto tempo, teria pensado aqui. É um triste senhor
gordo, triste como um pobre menino falando sozinho.
Há
pensões finlandesas com vapores de sauna e banhos de córrego, e os
hotéis tradicionais perdidos no bosque. Vamos ver a cascata da
Maromba, andamos para baixo e para cima, e depois passeio, solitário,
num desses bosques junto de um hotel.
Ah!
Creio divisar, entre os escuros troncos, ao fundo, um vulto gentil
que logo se perde na espessura. Minha memória é arbitrária e ruim.
Estremeço a uma lembrança tão viva, tão pungente, de algo que eu
teria vivido neste lugar a que, entretanto, nunca vim.
Sento-me
em um tronco, fico ali quieto, como alguém que acaba de ser ferido.
O nome desse hotel de que eu jamais me lembraria, me restitui aquela
cuja imagem há pouco acreditei ver. Daqui, talvez daquela pequena
sala junto à entrada, há muitos e muitos anos, alguém me escreveu
uma carta.
Não
me lembro o que dizia; rasguei-a, depois de passar o dia inteiro na
rua com esse papel no bolso, junto do coração, me queimando de
ternura.
Aqui
ela esteve, e estava triste. Por aquele caminho talvez tenha descido
a cavalo, de manhã, os leves cabelos ao vento. Esta mesma luz do
sol, coada por essas árvores, beijou-lhe as faces, na manhã de ar
fino.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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