O
que se deve fazer é baixar as persianas durante o dia, fechar as
janelas e venezianas e abrir tudo durante a noite. Assim se fez dia
após dia, verão após verão, desde que esta casa, que meus bisavós
construíram, tem persianas e janelas.
O
encarregado de abrir e fechar, do clima da casa, por assim dizer,
sempre foi um menino em vias de deixar de ser a criança da família.
Quem foi o primeiro? Algum desses tios de quem só se fala para se
referir a uma característica de algum de meus primos ou minha.
Parentes que um dia foram para a guerra ou para os Estados Unidos, de
emigrantes, e não voltaram, ou que morreram na infância e deixaram
de herança o nariz de Julio, as pernas tortas de María Teresa,
minha gagueira. Ou nada. Gente que passou por esta família como
passavam os empregados quando meu avô estava vivo: calados,
cabisbaixos, sem interromper. Esses só são mencionados para dizer
quantos filhos teve a bisavó, a tia Elsa, a madrinha Toya ou a avó
e quantos morreram. Antes, suponho, as crianças morriam como
morreram três dos sete filhotes de Laika, que foram jogados no lixo.
— Mamãe,
se eu morresse, o que você faria?
— Eu
também morro, Felipe, eu também morro. Você é o homem da minha
vida, o único que nunca vai me abandonar.
Até
dois verões atrás, o encarregado do clima da casa era meu primo
Julio, que tinha catorze, mas minha mãe diz que meus tios compraram
um apartamento na praia e que por isso deixaram de vir. Cada vez que
nos vemos na cidade, sempre menos, afirmam que neste verão eles vêm,
com certeza. Mas transcorrem os duzentos mil dias pelos quais se
estende o verão nesta cidadezinha e eles não aparecem.
Essa
casa era outra casa quando meus tios vinham com Julio e María
Tereza: limpava-se e enchia-se a piscina, traziam Laika, brincávamos
pela cidade sem que ninguém nos vigiasse, ficávamos acordados até
tarde da noite, dormíamos em cima de cobertores, no pátio, sob
estrelas que não há na cidade, falando de coisas das quais não se
fala na cidade.
Nada
do que existe aqui existe lá.
Nem
nós.
Era
como se nessa casa, a casa, fôssemos diferentes do que éramos nos
apartamentos. Lá, éramos mais diminutos, mais desajeitados, mais
feios, mais fedidos. Lá, na cidade, éramos uns perdedores. No
colégio eu não tinha um único amigo, porém durante o verão era
parte de um bando. Claro, um bando de três, mas havia uma menina. A
menina mais divertida do mundo: minha prima María Teresa, e o menino
mais genial do mundo: meu primo Julio. E, bem, eu.
Nessa
casa, no cu dessa cidadezinha no cu do mundo, a vida era bastante
boa. Aqui foi onde nós três crescemos. Aqui Julio quebrou meu braço
quando fingia ser Bruce Lee. Aqui cortamos o cabelo das bonecas de
María Teresa e ela não falou conosco durante todo o verão. Aqui
soubemos que meu pai não voltaria de suas férias no exterior, que
as férias no exterior se chamavam Sofía e que Sofía esperava um
bebê, meu irmão ou irmã. Aqui María Teresa ficou mocinha e meu
tio chorou, e minha tia o chamou de maricas. Aqui bebemos e fumamos.
Aqui Julio me falou pela primeira vez de punheta e me mostrou uma
revista pornô onde vi tantas bocetas até memorizá-las na cabeça.
Aqui o corpo de María Teresa mudou, ela estirou — embora nunca
tenhamos deixado de chamá-la María Tobesa — e se converteu numa
mulher com tudo o que uma mulher tem e mais um cabelo preto revolto e
as covinhas na bochecha que eram de María Teresa desde sempre. Aqui
Julio se transformou num bicho de ódio e cara purulenta, que não
parava de espremer as espinhas e de mandar todo mundo à merda. Aqui
eu tive medo da morte quando, debaixo de seu corpo enorme, vi o punho
fechado de Julio se aproximar de meu nariz porque o chamei de veado.
Aqui meu primo Julio quebrou meu nariz.
Aqui,
numa noite de tempestade de verão, dentro da piscina, María Teresa
me beijou na boca, contou a Julio e ele, que primeiro nos chamou de
porcos, vocês me dão nojo, também quis. Nós três nos beijamos,
ela no meio, beijando a mim e beijando a ele. Tudo estava tão
selvagemente bom e tão selvagemente mau, tudo junto e fazendo do
coração um emaranhado estranho, que acabamos chorando. Julio
chorava. María Teresa chorava. Eu chorava. Parecia que tínhamos
passado a vida toda naquela piscina, sozinhos, sem que nunca nenhum
adulto tivesse nos dado uma toalha para sair dali. Voltamos a beijar
nossas bocas molhadas e engilhadas e juramos que nos amaríamos para
sempre, que, quando fôssemos adultos, nos casaríamos. Os três. Que
nunca haveria ninguém além de nós. Que seríamos melhores pais
para nossos filhos, que nunca os abandonaríamos como meu pai, que
nunca colocaríamos o trabalho acima de tudo como meu tio, que nunca
viveríamos tão estupidamente como minha tia, que nunca seríamos
tão tristes como minha mãe.
Numa
parede do quarto de ferramentas, a sede de nosso clube, desenhamos um
coração e nossas iniciais. Um entre muitos: havia vários corações
e várias iniciais nessas paredes antiquíssimas da casa. Então
fizemos alguns cortes no polegar com a navalha de meu tio e juntamos
os três.
Depois
nos beijamos.
Era
evidente: seríamos pais melhores que nossos pais porque nós, sim,
nos amávamos.
Aqui,
uma das empregadas de meus tios, que tinha saído ao pátio para nos
dizer que estava frio, viu que nós três estávamos nos beijando e
tocando.
Eles
não vêm mais. A piscina está cheia de folhas e pequenos cadáveres
de insetos ao redor dos quais eu flutuo, tão imóvel, tão absorto.
Às vezes, acho que nem o sol me quer, que o sol furioso dessa
cidadezinha filha da puta que torna todo mundo moreno e feliz se
esquiva de mim. Eu permaneço tão branquelo e tão deslocado como na
cidade.
Quando
jogo a bola contra a parede, uma vez atrás da outra, possuído,
imagino o motor do furgãozinho de meu tio, o latido de Laika, a
risada estridente de María Teresa, uma bola contra o chão — Julio
—, minha mãe dizendo ao seu irmão que alegria, e ver, realmente
ver, essa alegria nela depois de tantos meses de convívio com outra
coisa, outra coisa diferente de alegria. Escutá-la cantar músicas
românticas, ir à cozinha fazer limonada, servir sorvete em taças
altas onde cabem duas bolas, chantili e um canudinho. Primeiro para o
tio, o tio, o tio, o tio. E você pare, não toque, me dá um tapa
forte na mão.
Já
não acontece nada disso, nem sei o nome dos cachorros que latem lá
longe, as taças altas acumulam pó dentro de um móvel. Continuo na
piscina, um inseto translúcido que flutua entre outros insetos
escuros. Os mosquitos zumbem perto de minhas pestanas. Não me mexo.
Quase não respiro. Passo muito tempo sem me mexer e acho que o
melhor que poderia me acontecer agora seria morrer, morrer afogado, e
que María Teresa e Julio, cheios de sol e de marisco e de novos
amigos e do que seja que tenham lá nessa praia filha da puta,
tivessem de me prantear aos gritos. A mim, seu amor, seu marido, ao
qual abandonaram na maldita casa da cidadezinha com duas mulheres
loucas e sozinhas e demoníacas nos únicos meses felizes de todo o
maldito ano. Isso não se faz, caralho. Não parariam de chorar até
o último verão de suas vidas quando, velhos e encurvados,
castigados pela falta de amor e a solidão e a fealdade e a pobreza e
a demência, ainda lhes chegaria à cabeça senil esse Felipe amado
que se afogou por culpa deles, porque não insistiram, não disseram:
papai, mamãe, queremos ir à cidadezinha para ficar com Felipe, nada
é melhor que isso, escolhemos Felipe acima de todas as coisas.
Imbecis
filhos da puta.
Por
fim, não me afogo.
Minha
mãe me chama para jantar.
Hoje
não me deu vontade de baixar as persianas e o calor está
insuportável. A única que pode falar alguma coisa é minha mãe
porque a vovó, embora perceba, não reclama: faz alguns anos que
ficou com cara de assustada, o ombro caído, e com uma mão, a
direita, dobrada sobre a coxa e a outra tapando-a, envergonhada, como
se fosse sua vagina. Ali, na cadeira de rodas, a vovó parece
pequenina, parece inofensiva. Embora ela fosse uma velha cadela que
dava uns tapas na gente com essa mesma mão, a direita, que deixavam
nossa cara vermelha durante horas. Julio nos contou que uma vez ela
lhe disse filho da puta, eu sei que você não é filho do meu filho,
enquanto batia nele. Para María Teresa, um dia que estava de
minissaia, ela disse putinha, putinha, putinha, duas putas, você e
sua mãe. Para mim, ao contrário, não sei se para agradar ou porque
me desprezava, só me dizia: triste, você é muito triste.
Depois
da embolia, graças a deus, ela deixou de falar. No começo, escrevia
em folhas de papel as coisas que queria, mas essas anotações vinham
tão cheias de insultos que mamãe lia suas mensagens emitindo um bip
entre as palavras. A velha, que queria sua liberdade de expressão,
ficava com os nós dos dedos brancos sobre os braços da cadeira e
parecia a ponto de gritar, de expulsar os olhos das órbitas, de
provocar um terremoto. Então, se mijava e se cagava toda. Minha mãe
tirou o caderninho dela. Deixou-a muda.
Naquela
noite, minha mãe disse que não ia jantar, que ia tomar banho, que o
calor estava insuportável. Disse também que havia salada de atum e
pão na geladeira. Comi com culpa: o calor era culpa minha, a falta
de apetite era culpa minha, o jantar ruim e solitário era meu
castigo. Sim, pelo lance das persianas. Mas eu não quero ser o
menino das persianas, aqueles que abrem e fecham as persianas dessa
casa vão embora, morrem, se esquecem. Não. Não quero. Sinto
saudades de meus primos, quero ser o menino que eu era quando eles
estavam aqui.
Comecei
a chorar.
Esse
verão e, possivelmente, todos os verões de minha vida tinham ido à
merda.
A
casa começou a me dar medo. Todos os homens que já não estavam
aqui. Vovô, papai, o tio, Julio. Eu também não quero estar aqui.
Não gosto de ser homem. Não se pode ser outra coisa? Não há outro
lugar no qual eu gostaria de estar — o passado é um lugar? —,
mas também não quero estar aqui.
Subi
com um pouco de salada para minha mãe. Ela estava descansando,
deitada de costas, ainda molhada do banho e nua embaixo do
ventilador. O corpo dela, cor branco-nata como o meu, iluminado por
um pouquinho de luz que entrava pela janela, parecia o corpo de uma
afogada, como se alguém a tivesse tirado da piscina, já tarde, e a
depositado, com as pernas abertas, na cama.
Se
minha mãe morresse, eu podia ir embora. Sim. Enfiaria umas coisas na
mochila e correria para procurar María Teresa e Julio. Mamãe morta.
Afogada. Eu não fechei as persianas.
— Mamãe?
Comecei
a chorar de novo. Deitei-me ao seu lado.
Ela
abriu os olhos, disse que estava tudo bem.
— Filhinho,
meu filhinho, filho do meu coração, venha cá, me dê um beijo.
Eu
me aproximei e ela acariciou meu rosto, disse que eu me parecia com
papai. Como naquele outro verão com María Teresa e Julio, nossos
lábios se tocaram.
— Você
saiu daqui — ela me disse, e pôs minha mão em sua boceta molhada.
E
bebeu daqui — voltou a dizer, e levou minha mão até seus seios
flácidos.
Eu
os apertei e os beijei e os chupei, sempre pensando em meus primos e
no amor que dissemos que sentiríamos para sempre uns pelos outros.
Escutei
sua voz, uma voz que vinha de debaixo da água.
— Você
quer casar comigo, filhinho?
Eu
disse que sim. Todos haviam me abandonado, então eu disse que sim.
Ao
me virar para a porta, parece que vi minha avó ali, em sua cadeira
de rodas, sorrindo de uma maneira asquerosa.
Mamãe
falava para mim:
— Você
saiu daqui, filhinho, entre, daqui, venha.
María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos
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