sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Persianas



O que se deve fazer é baixar as persianas durante o dia, fechar as janelas e venezianas e abrir tudo durante a noite. Assim se fez dia após dia, verão após verão, desde que esta casa, que meus bisavós construíram, tem persianas e janelas.
O encarregado de abrir e fechar, do clima da casa, por assim dizer, sempre foi um menino em vias de deixar de ser a criança da família. Quem foi o primeiro? Algum desses tios de quem só se fala para se referir a uma característica de algum de meus primos ou minha. Parentes que um dia foram para a guerra ou para os Estados Unidos, de emigrantes, e não voltaram, ou que morreram na infância e deixaram de herança o nariz de Julio, as pernas tortas de María Teresa, minha gagueira. Ou nada. Gente que passou por esta família como passavam os empregados quando meu avô estava vivo: calados, cabisbaixos, sem interromper. Esses só são mencionados para dizer quantos filhos teve a bisavó, a tia Elsa, a madrinha Toya ou a avó e quantos morreram. Antes, suponho, as crianças morriam como morreram três dos sete filhotes de Laika, que foram jogados no lixo.
Mamãe, se eu morresse, o que você faria?
Eu também morro, Felipe, eu também morro. Você é o homem da minha vida, o único que nunca vai me abandonar.
Até dois verões atrás, o encarregado do clima da casa era meu primo Julio, que tinha catorze, mas minha mãe diz que meus tios compraram um apartamento na praia e que por isso deixaram de vir. Cada vez que nos vemos na cidade, sempre menos, afirmam que neste verão eles vêm, com certeza. Mas transcorrem os duzentos mil dias pelos quais se estende o verão nesta cidadezinha e eles não aparecem.
Essa casa era outra casa quando meus tios vinham com Julio e María Tereza: limpava-se e enchia-se a piscina, traziam Laika, brincávamos pela cidade sem que ninguém nos vigiasse, ficávamos acordados até tarde da noite, dormíamos em cima de cobertores, no pátio, sob estrelas que não há na cidade, falando de coisas das quais não se fala na cidade.
Nada do que existe aqui existe lá.
Nem nós.
Era como se nessa casa, a casa, fôssemos diferentes do que éramos nos apartamentos. Lá, éramos mais diminutos, mais desajeitados, mais feios, mais fedidos. Lá, na cidade, éramos uns perdedores. No colégio eu não tinha um único amigo, porém durante o verão era parte de um bando. Claro, um bando de três, mas havia uma menina. A menina mais divertida do mundo: minha prima María Teresa, e o menino mais genial do mundo: meu primo Julio. E, bem, eu.
Nessa casa, no cu dessa cidadezinha no cu do mundo, a vida era bastante boa. Aqui foi onde nós três crescemos. Aqui Julio quebrou meu braço quando fingia ser Bruce Lee. Aqui cortamos o cabelo das bonecas de María Teresa e ela não falou conosco durante todo o verão. Aqui soubemos que meu pai não voltaria de suas férias no exterior, que as férias no exterior se chamavam Sofía e que Sofía esperava um bebê, meu irmão ou irmã. Aqui María Teresa ficou mocinha e meu tio chorou, e minha tia o chamou de maricas. Aqui bebemos e fumamos. Aqui Julio me falou pela primeira vez de punheta e me mostrou uma revista pornô onde vi tantas bocetas até memorizá-las na cabeça. Aqui o corpo de María Teresa mudou, ela estirou — embora nunca tenhamos deixado de chamá-la María Tobesa — e se converteu numa mulher com tudo o que uma mulher tem e mais um cabelo preto revolto e as covinhas na bochecha que eram de María Teresa desde sempre. Aqui Julio se transformou num bicho de ódio e cara purulenta, que não parava de espremer as espinhas e de mandar todo mundo à merda. Aqui eu tive medo da morte quando, debaixo de seu corpo enorme, vi o punho fechado de Julio se aproximar de meu nariz porque o chamei de veado. Aqui meu primo Julio quebrou meu nariz.
Aqui, numa noite de tempestade de verão, dentro da piscina, María Teresa me beijou na boca, contou a Julio e ele, que primeiro nos chamou de porcos, vocês me dão nojo, também quis. Nós três nos beijamos, ela no meio, beijando a mim e beijando a ele. Tudo estava tão selvagemente bom e tão selvagemente mau, tudo junto e fazendo do coração um emaranhado estranho, que acabamos chorando. Julio chorava. María Teresa chorava. Eu chorava. Parecia que tínhamos passado a vida toda naquela piscina, sozinhos, sem que nunca nenhum adulto tivesse nos dado uma toalha para sair dali. Voltamos a beijar nossas bocas molhadas e engilhadas e juramos que nos amaríamos para sempre, que, quando fôssemos adultos, nos casaríamos. Os três. Que nunca haveria ninguém além de nós. Que seríamos melhores pais para nossos filhos, que nunca os abandonaríamos como meu pai, que nunca colocaríamos o trabalho acima de tudo como meu tio, que nunca viveríamos tão estupidamente como minha tia, que nunca seríamos tão tristes como minha mãe.
Numa parede do quarto de ferramentas, a sede de nosso clube, desenhamos um coração e nossas iniciais. Um entre muitos: havia vários corações e várias iniciais nessas paredes antiquíssimas da casa. Então fizemos alguns cortes no polegar com a navalha de meu tio e juntamos os três.
Depois nos beijamos.
Era evidente: seríamos pais melhores que nossos pais porque nós, sim, nos amávamos.
Aqui, uma das empregadas de meus tios, que tinha saído ao pátio para nos dizer que estava frio, viu que nós três estávamos nos beijando e tocando.
Eles não vêm mais. A piscina está cheia de folhas e pequenos cadáveres de insetos ao redor dos quais eu flutuo, tão imóvel, tão absorto. Às vezes, acho que nem o sol me quer, que o sol furioso dessa cidadezinha filha da puta que torna todo mundo moreno e feliz se esquiva de mim. Eu permaneço tão branquelo e tão deslocado como na cidade.
Quando jogo a bola contra a parede, uma vez atrás da outra, possuído, imagino o motor do furgãozinho de meu tio, o latido de Laika, a risada estridente de María Teresa, uma bola contra o chão — Julio —, minha mãe dizendo ao seu irmão que alegria, e ver, realmente ver, essa alegria nela depois de tantos meses de convívio com outra coisa, outra coisa diferente de alegria. Escutá-la cantar músicas românticas, ir à cozinha fazer limonada, servir sorvete em taças altas onde cabem duas bolas, chantili e um canudinho. Primeiro para o tio, o tio, o tio, o tio. E você pare, não toque, me dá um tapa forte na mão.
Já não acontece nada disso, nem sei o nome dos cachorros que latem lá longe, as taças altas acumulam pó dentro de um móvel. Continuo na piscina, um inseto translúcido que flutua entre outros insetos escuros. Os mosquitos zumbem perto de minhas pestanas. Não me mexo. Quase não respiro. Passo muito tempo sem me mexer e acho que o melhor que poderia me acontecer agora seria morrer, morrer afogado, e que María Teresa e Julio, cheios de sol e de marisco e de novos amigos e do que seja que tenham lá nessa praia filha da puta, tivessem de me prantear aos gritos. A mim, seu amor, seu marido, ao qual abandonaram na maldita casa da cidadezinha com duas mulheres loucas e sozinhas e demoníacas nos únicos meses felizes de todo o maldito ano. Isso não se faz, caralho. Não parariam de chorar até o último verão de suas vidas quando, velhos e encurvados, castigados pela falta de amor e a solidão e a fealdade e a pobreza e a demência, ainda lhes chegaria à cabeça senil esse Felipe amado que se afogou por culpa deles, porque não insistiram, não disseram: papai, mamãe, queremos ir à cidadezinha para ficar com Felipe, nada é melhor que isso, escolhemos Felipe acima de todas as coisas.
Imbecis filhos da puta.
Por fim, não me afogo.
Minha mãe me chama para jantar.
Hoje não me deu vontade de baixar as persianas e o calor está insuportável. A única que pode falar alguma coisa é minha mãe porque a vovó, embora perceba, não reclama: faz alguns anos que ficou com cara de assustada, o ombro caído, e com uma mão, a direita, dobrada sobre a coxa e a outra tapando-a, envergonhada, como se fosse sua vagina. Ali, na cadeira de rodas, a vovó parece pequenina, parece inofensiva. Embora ela fosse uma velha cadela que dava uns tapas na gente com essa mesma mão, a direita, que deixavam nossa cara vermelha durante horas. Julio nos contou que uma vez ela lhe disse filho da puta, eu sei que você não é filho do meu filho, enquanto batia nele. Para María Teresa, um dia que estava de minissaia, ela disse putinha, putinha, putinha, duas putas, você e sua mãe. Para mim, ao contrário, não sei se para agradar ou porque me desprezava, só me dizia: triste, você é muito triste.
Depois da embolia, graças a deus, ela deixou de falar. No começo, escrevia em folhas de papel as coisas que queria, mas essas anotações vinham tão cheias de insultos que mamãe lia suas mensagens emitindo um bip entre as palavras. A velha, que queria sua liberdade de expressão, ficava com os nós dos dedos brancos sobre os braços da cadeira e parecia a ponto de gritar, de expulsar os olhos das órbitas, de provocar um terremoto. Então, se mijava e se cagava toda. Minha mãe tirou o caderninho dela. Deixou-a muda.
Naquela noite, minha mãe disse que não ia jantar, que ia tomar banho, que o calor estava insuportável. Disse também que havia salada de atum e pão na geladeira. Comi com culpa: o calor era culpa minha, a falta de apetite era culpa minha, o jantar ruim e solitário era meu castigo. Sim, pelo lance das persianas. Mas eu não quero ser o menino das persianas, aqueles que abrem e fecham as persianas dessa casa vão embora, morrem, se esquecem. Não. Não quero. Sinto saudades de meus primos, quero ser o menino que eu era quando eles estavam aqui.
Comecei a chorar.
Esse verão e, possivelmente, todos os verões de minha vida tinham ido à merda.
A casa começou a me dar medo. Todos os homens que já não estavam aqui. Vovô, papai, o tio, Julio. Eu também não quero estar aqui. Não gosto de ser homem. Não se pode ser outra coisa? Não há outro lugar no qual eu gostaria de estar — o passado é um lugar? —, mas também não quero estar aqui.
Subi com um pouco de salada para minha mãe. Ela estava descansando, deitada de costas, ainda molhada do banho e nua embaixo do ventilador. O corpo dela, cor branco-nata como o meu, iluminado por um pouquinho de luz que entrava pela janela, parecia o corpo de uma afogada, como se alguém a tivesse tirado da piscina, já tarde, e a depositado, com as pernas abertas, na cama.
Se minha mãe morresse, eu podia ir embora. Sim. Enfiaria umas coisas na mochila e correria para procurar María Teresa e Julio. Mamãe morta. Afogada. Eu não fechei as persianas.
Mamãe?
Comecei a chorar de novo. Deitei-me ao seu lado.
Ela abriu os olhos, disse que estava tudo bem.
Filhinho, meu filhinho, filho do meu coração, venha cá, me dê um beijo.
Eu me aproximei e ela acariciou meu rosto, disse que eu me parecia com papai. Como naquele outro verão com María Teresa e Julio, nossos lábios se tocaram.
Você saiu daqui — ela me disse, e pôs minha mão em sua boceta molhada.
E bebeu daqui — voltou a dizer, e levou minha mão até seus seios flácidos.
Eu os apertei e os beijei e os chupei, sempre pensando em meus primos e no amor que dissemos que sentiríamos para sempre uns pelos outros.
Escutei sua voz, uma voz que vinha de debaixo da água.
Você quer casar comigo, filhinho?
Eu disse que sim. Todos haviam me abandonado, então eu disse que sim.
Ao me virar para a porta, parece que vi minha avó ali, em sua cadeira de rodas, sorrindo de uma maneira asquerosa.
Mamãe falava para mim:
Você saiu daqui, filhinho, entre, daqui, venha.

María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos

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