domingo, 25 de setembro de 2022

A Sigmund Freud

Muito caro Senhor Freud,

Sempre admirei sua paixão para descobrir a verdade. Ela o arrebata acima de tudo. O senhor explica com irresistível clareza o quanto na alma humana os instintos de luta e de aniquilamento estão estreitamente relacionados com os instintos do amor e da afirmação da vida. Ao mesmo tempo, suas exposições rigorosas revelam o desejo profundo e o nobre ideal do homem que quer se libertar completamente da guerra. Por esta profunda paixão se reconhecem todos aqueles que, superando seu tempo e sua nação, foram julgados mestres, espirituais ou morais. Descobrimos o mesmo ideal em Jesus Cristo, em Goethe ou em Kant! Não é bastante significativo ver que estes homens foram reconhecidos universalmente como mestres apesar de terem fracassado em sua vontade de estruturar as relações humanas? Estou persuadido de que os homens excepcionais que ocupam a posição de mestres graças a seus trabalhos (mesmo em círculo bem restrito) participam deste mesmo nobre ideal. Não têm grande influência sobre o mundo político. Em compensação, a sorte das nações depende, ao que parece, inevitavelmente de homens políticos, sem nenhum escrúpulo e sem qualquer senso de responsabilidade.
Tais chefes e governos políticos obtêm seu cargo seja pela violência seja por eleições populares. Não podem se apresentar como representantes da parte intelectual e moralmente superior das nações. Quanto à elite intelectual, não exerce influência alguma sobre o destino dos povos. Dispersa demais, não pode nem trabalhar, nem colaborar quando se trata de resolver um problema urgente. Sendo assim, não pensa o senhor que uma associação livre de personalidades — garantindo suas capacidades e a sinceridade da vontade por suas ações e criações anteriores — não poderia propor realmente um programa novo? Uma comunidade de estrutura internacional, na qual os membros se obrigariam a ficar em contato por permanente intercâmbio de suas opiniões, poderia tomar posição na imprensa, mas sempre sob a responsabilidade estrita dos signatários, e exercer influência significativa e moralmente sadia na resolução de um problema político. Evidentemente, tal comunidade se veria a braços com os mesmos inconvenientes que, nas academias de ciência, provocam tantas vezes pesados malogros. São os riscos inerentes, indissoluvelmente ligados à fraqueza da natureza humana. Apesar do que, não seria preciso tentar uma associação deste gênero? Para mim, julgo-a um dever imperioso.
Se se chegasse a concretizar semelhante associação intelectual, ela teria de procurar educar sistematicamente as organizações religiosas no sentido de se baterem contra a guerra. Daria força moral a muitas personalidades cuja boa vontade se vê esterilizada por penosa resignação. Creio enfim que uma associação com tais membros, inspirando imenso respeito bem justificado por suas obras intelectuais, daria precioso apoio moral às forças da Sociedade das Nações que realmente consagram suas atividades ao nobre ideal dessa instituição. Submeto-lhe estas ideias, ao senhor mais do que a qualquer outro, porque o senhor é menos vulnerável do que qualquer um às quimeras e seu espírito crítico se baseia em um sentimento muito profundo da responsabilidade.

Albert Einstein, in Como Vejo o Mundo

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