Chegamos.
Para quê? A velha casa da fazenda de meu avô está quase em ruínas.
A varanda caiu há muito tempo. O atual fazendeiro vive em uma casa
nova, que ele construiu mais abaixo; aqui mora uma família de
colonos, e a mulher me diz que tem medo da casa: nas noites de vento
e chuva a família se esconde no paiol, porque parece que tudo vem
abaixo. As grandes tábuas do assoalho gemem sob meus pés. A cozinha
me parece diferente. Ou será que a cozinha que eu guardava na
memória era de outra fazenda, a da Boa Esperança, onde a gente
costumava ir nas férias de junho? E o quarto onde eu dormia? Não
sei mais qual é. Mas na sala está a grande mesa de jantar de meu
avô, a grande mesa preta onde a família se juntava — me lembro da
hora do almoço, os homens chegavam de cabelos suados; me lembro da
hora do jantar, estava escurecendo, acendia-se um grande lampião e,
ao longo dos longos bancos, corria um murmúrio — “a bênção, a
bênção, Deus te abençoe, boa noite, boa noite, a bênção” —,
era a gente se cumprimentando e se abençoando porque chegara a
noite.
Na
verdade não conheci meu avô materno, apenas a avó magra e sempre
doente, que, entretanto, não recordo aqui, mas em nossa casa de
Cachoeira. De tudo ficou apenas a grande mesa escura.
Há
nomes gravados a canivete, eu sei; vejo aqui o nome de um primo
irmão; se eu afastasse esse saco de milho talvez encontrasse também
o meu; talvez tenha sumido. Olho o pequeno córrego que vem
murmurando no meio do matinho (tinha sanguessugas), depois desce
pelas pedras. Não me lembro de muitas árvores, me lembro muito bem
daquele bambual na curva do morro, no caminho da fazenda chamada do
Espírito Santo, onde nasceram meus irmãos; depois o caminho entrava
na mata, era fresquinho, a gente parava o cavalo num córrego para
ele beber água, ouço as patas do animal dentro da água, vejo a
água escorrendo dos freios — “ruma, cavalo!” —, as patas
pisavam com mais força — “bloc bloc bloc” — na água e na
lama, o cavalo galgava a margem do outro lado, então a gente sentia
vontade de dar um galope.
De
repente me assaltam essas recordações, outras recordações: tio
Adrião estava brigado com meu pai...
Antes
de passar o moinho de fubá ainda olho a velha casa, tão triste
agora sem sua varanda; lembro as grandes tempestades de verão, as
nuvens pretas se juntando em cima da pedra do Frade, túmidas de
raios e trovões. Qualquer hora o casarão se abaterá para sempre,
como velhas árvores já se abateram. Como o velho Coelho e todos os
seus filhos homens já morreram — como seu neto, cansado e sem
remorso, também pode morrer.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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