O
amor dos meus pais era poderoso — para mim, pelo menos, que era uma
criança muito medrosa. Tinha medo de médico, de palhaço, de
qualquer pessoa com muita maquiagem — Bozo, Vovó Mafalda, Hebe.
Quando meus pais se abraçavam, eu me aconchegava entre suas pernas e
ia para longe de todos os perigos do mundo, de toda essa gente
maquiada demais.
Gostava
de viajar com eles, quando eles faziam shows pelo Brasil. Sentava na
primeira fila e berrava de orgulho no final. Queria saber assobiar
com os dedos, só pra fazer mais barulho. Sabia o show de cor,
especialmente uma parte em que eles contavam como tinham se
conhecido.
Meu
pai morava na Rua Rumania, em Laranjeiras, quando minha mãe se mudou
pra casinha da frente. Meu pai estudava sax. Minha mãe estudava
canto. Começaram a fazer duetos — sem nunca terem se visto. Um
dia, meu pai tomou coragem e atravessou a rua. Bateu na porta dela e
por lá ficou. Tiveram três filhos. Gravaram dois discos.
Construíram outra casa pra caberem os filhos e os discos.
Fomos
muito felizes ali. Minha mãe dava festas e jantares e saraus que
enchiam a casa de música e alegria. Meu pai fez um estúdio no porão
onde minha irmã e eu podíamos dormir no carpete, ouvindo ele
compor. A piscina de dez metros quadrados tinha as dimensões do
oceano Atlântico. Criamos no jardim muitos cachorros, alguns gatos,
uma cabra, uma figueira, um limoeiro e um manacá muito cheiroso.
Um
dia, estava dormindo e acordei com um quebra-quebra. Subi até a
cozinha achando que era assalto. Os dois choravam, envergonhados. Foi
a primeira vez que eu vi eles brigando. Meu pai desceu comigo e
dormiu na minha cama. No meio da noite, acho que ouvi ele chorar.
Não
demorou pra que meu pai saísse de casa. Separados, tentaram ser
amigos por muito tempo, e foram. Até que começaram a brigar pela
casa que construíram juntos — quem construiu mais, quem construiu
menos. Não sei quem está certo. Mas aprendi que as brigas de casal
pertencem ao universo quântico. Duas pessoas falando coisas opostas
podem estar igualmente certas — e frequentemente estão. Tudo o que
eu queria era poder guardá-los no palco, tocando juntos —
infalíveis.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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