A
primeira vez que eu fumei maconha foi no aterro do Flamengo, depois
de uma pelada. Éramos quatro pernas de pau do liceu francês.
Perdemos de muito a zero. Sentamos debaixo de uma árvore e o Marcio
apertou (mal) um baseado pra atenuar a derrota. “Tomamos um
esculacho.” O esculacho maior estava por vir. O beque mal apertado
ainda não tinha dado uma volta completa quando brotaram, do nada,
dois PMs trincados: “Cadê o flagrante?”. O flagrante, a essas
alturas, estava longe. Bruno tinha isolado o beque pro mato. O PM bom
disse que se a gente não achasse o tal flagrante eles levariam a
gente para Bangu 2, onde “bandidos comeriam o nosso cu”.
Argumentei, me sentindo Mel Gibson em Coração Valente, que, se eles
não achassem o flagrante, não haveria prisão, porque só pode
haver prisão com flagrante. E que nós éramos menores de idade e
não iríamos pra Bangu.
Mas
esta última frase eu não cheguei a dizer, porque o PM mau me deu um
soco no peito e eu fui parar no chão. Se eu fosse Mel Gibson, teria
revidado. Se eu fosse Mel Gibson, eu estava morto. A sorte é que eu
não sou Mel Gibson e a garganta apertou. Comecei a chorar. Bruno,
Marcio e Antonio, que tampouco eram Mel Gibson, começaram a procurar
o flagrante no chão, de quatro. Acharam. Pronto, não tinha mais o
que fazer. Ou melhor: tinha. Esvaziamos nossas carteiras, que,
juntas, deram dez reais. Naquela época, o ônibus custava noventa
centavos. Achamos dez reais, era uma fortuna. O PM mau não achou.
Marcio disse que morava ali perto.
Eles
ficaram com a nossa carteira de identidade, pra gente não sumir
(“Retenção de documentos não é crime?”, teria dito Mel
Gibson). A mãe do Marcio estava vendo TV na sala da casa dele.
Atravessamos cabisbaixos. “Boa noite, mãe.” Saímos do quarto
dele com uma mochila pesada, e dentro dela tudo o que o Marcio tinha
de mais valioso na vida: uma nota de cinquenta reais, um PlayStation
velho, meia dúzia de jogos de PlayStation, um videocassete, algumas
fitas de VHS, os controles do PlayStation. “A gente já volta,
mãe.” Deixamos a mochila na viatura, com muita dor e vergonha. No
dia seguinte, rachamos o prejuízo: uns duzentos reais pra cada um. E
uma raiva que eu iria levar pra vida.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Nenhum comentário:
Postar um comentário