Grilos,
folhas secas, sapos, papéis, bolsas, embalagens, bitucas, baratas
d’água, cocô de garças, morcegos, flores, mais folhas secas. Às
vezes, uma iguana morta, flutuando de barriga para cima como um
crucificado. Pescam. Eles pescam. De quando em quando, levantam a
cabeça e veem uma embarcação em que pescadores de verdade
movimentam água de verdade — água pura, livre, sem domesticar —
para pegar peixes, não porcarias. Esse pensamento não passa pela
cabeça deles. O rio contém tudo: é marrom acinzentado, está muito
sujo. A piscina, ao contrário, é uma pele de arminho no meio de um
lodaçal. Inútil. Penosamente impecável. Mal acabam de tirar o
último inseto morto e já há uma folha seca. Suja. Nunca deixa de
estar suja. Todos os dias é preciso jogar cloro. Cloro que é
trazido dos Estados Unidos e que desinfeta a água melhor que o
nacional. Três copos de cloro. O copo até a borda. Repetiram isso
vinte vezes e puseram três cartazes no quarto de limpeza.
PARA
A PISCINA: TRÊS COPOS DE CLORO “ATÉ A BORDA”.
Alguém,
debaixo da palavra borda, desenhou um pinto. Nos três cartazes.
Neste trabalho não se pode pensar. Pensar seria atrair a loucura.
Deve-se trabalhar sem parar, embora não se possa limpar essa piscina
de águas turquesa porque nunca, jamais, nunca estarão imaculadas.
Você se vira e num segundo já há um grilo, uma flor, uma bituca,
um papel, uma abelha. Às vezes um passarinho morto, desses amarelos
que sempre voam em dupla, com as asas abertas e o outro passarinho à
margem: a natureza incompleta.
São
três homens que limpam a área da piscina. Usam uniformes brancos
que suas mulheres lavam à mão, com cloro nacional, e que ficam
cinzentos, encardem, por mais que elas os esfreguem até que os nós
das mãos esfolem, por mais que os ponham ao sol para branqueá-los.
Então recebem uniformes novos, ofuscantes, que são descontados aos
poucos do salário. A piscina sempre tem de estar como um espelho,
embora durante todo esse tempo nunca se viu ninguém nadando ali. Das
janelas do hotel, os turistas veem o rio e a piscina, o pequeno olho
azul ao qual os três homens dedicam horas e horas de sua vida. Em
vão.
Grilos,
folhas secas, papéis de bala.
As
férias nesses países têm disso, os contrastes. Você pode tomar,
no café da manhã, sucos de frutas de maracujá, que também se
chama fruta da paixão, numa mesa com toalha de linho farfalhante,
refletindo um branco absoluto, no terraço de uma suíte clara com
uma cama enorme e edredons de algodão nuvem e olhar, lânguida, para
o rio, esse trem que nunca termina. Esses países são sujos, você
sabe, você observa a caminho do hotel: nos ônibus enlameados, no
rosto da menininha que pede dinheiro e cujo olhar você não pode
evitar apesar dos óculos, na roupa suja, quase marrom, das pessoas
que esperam para atravessar num semáforo, na água podre acumulada
nos buracos, nas calçadas. Mas aqui e agora, quem diria. O roupão
com o logotipo dourado do hotel parece a pele, espessa e nívea,
recém-enxaguada num manancial gelado, de um urso polar, e ali dentro
desse abraço você pode viver a fantasia de que está tudo bem. É
impossível pensar no fim do mundo quando você está nesse banheiro
tão imaculado, em que as toalhas, neve quentinha, são pelúcias
perfumadas com eucalipto, onde a banheira parece nunca ter sido usada
e o espelho só reflete superfícies belas, imaculadas,
deslumbrantes. As pílulas se tornam até desnecessárias porque tudo
está em seu lugar, cheira a limpeza, é agradável, e o pé afunda
até sumir de vista em tapetes felpudos como filhotinhos, de um
tecido tão macio que dá vontade até de chorar. A mala, nem pensar
em abri-la, seria trazer para dentro a sujeira de fora, sua roupa
íntima, suas calças de pijama, seus livros, sua nécessaire de
plástico com um desodorante pela metade, corretivo para olheiras,
protetor solar, vários cremes antirrugas, manteiga de cacau,
vibrador: nada disso tem lugar aqui. Até o carregador do celular,
como uma larga tripa negra, seria inadequado nessa parede tão
pulcra. Não. Esse é o novo mundo, a anistia.
Você
se olha ao espelho por um segundo e cobre o reflexo de seu rosto com
a mão. Não devia ter dado ouvidos ao lance do bronzeado artificial.
Sente-se manchada, indigna do mundo que a rodeia. Recorda que sua
pele era da cor da madrepérola, um rosto talhado em alabastro puro,
e agora é um papelão cor de cenoura. A sensação de estar passando
ridículo é tão imensa que lhe dá náuseas. Como se pode
sobreviver sem o esplendor? Assim se sente a solidão: a beleza era
uma companhia. E sua capa de invulnerabilidade e a garantia das
carícias. Não havia nada que resistisse a ela. Isto é ser bela:
que ninguém lhe diga não.
No
terraço, põe um guardanapo farfalhante, engomado, sobre seu regaço,
o roupão se abre um pouco, assomam suas coxas, suas pernas
bronzeadas artificialmente, frouxas como medusas, as pequenas veias
verdes que há tempos lhe desenham rodovias, odiosas estradas, da
virilha até os pés. Nada a assemelha às mulheres das revistas, do
cinema, tão imaculadas, iridescentes mulheres de nácar. Ela
continua sendo uma mulher? As frutas em formato de estrela sobre um
prato resplandecem sob o toldo branco, também os feixes platinados
da chaleira. São mórbidos a redondeza do pão com gergelim, o leite
que cai em serpentinas sobre o chá, a manteiga cortada em lascas, os
morangos gordos, túrgidos, vermelho-sangue. Abre completamente o
roupão e deixa que o sol a banhe como uma mangueira. Já é tarde
para todos os demais tatos. O homem que trouxe o café da manhã
sorria muito, sorria. Homem moreno vestido como soldadinho de teatro
infantil. Homem moreno fazendo uma pequena mesura. Mas a chamou de
madame da forma com que se chama madame às avós e em seus
olhos ela não viu nem uma réstia de desejo até que mostrou a nota.
Ela já é invisível até para esses homens, a última esperança de
sua beleza vital: a mulher estrangeira, insólita como a neve, objeto
precioso do desejo do outro. Ou seja, o que foi até ela não sabe
exatamente quando, mas que já não é e nem, é claro, voltará a
ser. Ela se lembra de um amante de pele chocolate em algum desses
países, recorda seu cu preto, as costas de madeira escura, a cabeça
com cachos infantis, sobre a cama branquíssima de outro hotel como
este. Ela se lembra do feliz abandono de tocar a superfície de um
homem como se toca a camurça. Lembra-se, também, da bestialidade de
uma metida de quatro, o beijo dos lábios grossos, a língua com
gosto de Coca-Cola. Abre um pouco as pernas, se toca, está seca por
dentro e por fora. Um lírio flutua abandonado numa floreira sem
água, com as pétalas retorcidas e o pistilo cinzento, os estames já
sem pólen. Observa a bandeja tão simétrica, os botões de rosa
frescos que lhe trouxeram num vaso prateado, comprido como um tubo,
os pires brancos com manteiga e geleia, a delicada porcelana para o
chá. Ela olha para tudo procurando umidades, enfia o dedo médio na
manteiga e quando já está na altura do umbigo se arrepende. Pensa
em chupá-lo, mas o limpa com o guardanapo de linho, que num segundo
deixa de estar imaculado. Sente nojo ao ver o guardanapo engordurado,
é impossível pensar em outra coisa que não o guardanapo sujo,
violentado. Ela o atira pela sacada e o observa planar até que cai
na piscina. Fantasia o nunca permitido: que um menino, um menino ou
uma menina, em seus braços, abraçado ao seu pescoço, aponte o
guardanapo caindo e diga olhe mamãe, uma gaivota, uma gaivota.
Fantasia o nunca permitido: que o homem de chocolate venha com uma
xícara nas mãos, faça-lhe uma pequena massagem na nuca e olhe com
ela o rio enquanto bebe seu primeiro café.
Quando
você está aqui, numa suíte branca dessas, deveria se lembrar de
não fantasiar com o que nunca foi nem olhar trinta andares abaixo,
para a origem do mundo, para esses três infelizes que limpam uma
piscina que jamais ficará limpa em vez de subir no elevador
panorâmico para amá-la desesperadamente, pela última vez, comendo
sua pele de mulher ainda viva aos pedaços. Ela se entregaria com
gosto ao canibalismo desses três homens que agora, com certeza,
olham para ela com uma cobiça assexuada, com a única lascívia
daquilo que há em sua carteira. Ela lhes daria tudo em troca de um
abraço. Deveria ser proibido olhar para coisas que remetam a essa
sensação. A isto. À inutilidade de certos gestos e de certas
vidas. Três homens limpando uma piscina para os outros todo dia,
toda hora, deve haver sujeira, merda, dejetos, iguanas esticadas como
crucificadas. Uma mulher estrangeira deixa uma xícara de porcelana
sobre um pires, seu roupão que plana como um morcego branco, o rio
ao fundo, um trem que sobreviverá a todos. E lá embaixo três
homens que se encarregarão, como todo dia, de deixar a piscina outra
vez imaculada.
María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos
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