Na
velha questão sobre a origem da humanidade, eu defendo o meio-termo.
Um empate entre Darwin e Deus. Aceito a tese darwiniana de que o
Homem descende do macaco, mas acho que Deus criou a mulher. E nós
somos a consequência daquele momento mágico em que o proto-homem,
deslocando-se de galho em galho pela floresta primeva, chegou à
planície do Éden e viu a mulher pela primeira vez.
Imagine
a cena. O homem-macaco de boca aberta, escondido pela folhagem,
olhando aquela maravilha: uma mulher recém-feita. Como Vênus
recém-pintada por Botticelli, com a tinta fresca. Eva
espreguiçando-se à beira do Tigre. Ou era o Eufrates? Enfim, Eva no
seu jardim, ainda úmida da criação. Eva esfregando os olhos. Eva
examinando o próprio corpo. Eva retorcendo-se para olhar-se atrás e
alisando as próprias ancas, satisfeita. Eva olhando-se no rio,
ajeitando os longos cabelos, depois sorrindo para a própria imagem.
Seus dentes perfeitos faiscando ao sol do Paraíso. E o quase-homem
babando no seu galho. E, com muito esforço, formulando um pensamento
no seu cérebro primitivo.
“Fêmea
é isso, não aquela macaca que eu tenho em casa.” Há
controvérsias a respeito, mas os teólogos acreditam que quando Eva
foi criada por Deus tinha entre 19 e 23 anos. E ela reinou sozinha no
Paraíso por duas luas. E, instruída por Deus, deu nome às coisas e
aos bichos. E chamou o rio de rio e a grama de grama, e a árvore de
árvore, e aquele estranho ser que desceu da árvore e ficou olhando
para ela como um cachorro, de Homem. E quando o Homem sugeriu que
coabitassem no Paraíso e começassem outra espécie, Eva riu,
concordou só para ter o que fazer, mas disse que ele ainda
precisaria evoluir muito para chegar aos pés dela. E desde então
temos tentado. Ninguém pode dizer que não temos tentado.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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