Neste
mês de julho vou vos contar história esquisita de um ser mais
esquisito ainda. Os índios chamam-no de Curupira. Começo por
descrevê-lo: é feio que nem o Tinhoso e peludo que nem um urso, mas
pequeno. Já se viram dentes verdes? Pois o Curupira tem. Sem falar
nas orelhas agudas. Ele não é caranguejo, porém seus pés são
virados para trás, como se ele fosse andar de marcha a ré. Ninguém
nunca sabe onde ele está. Fugindo sempre? Talvez. E de repente surge
em assustadora aparição. Quando vai embora não deixa rastro na
terra. Só se ouve um sussurro na mata – podem estar certos: é
ele. E além do sussurro ouvem-se as marteladas no tronco das
árvores. É que, sem ninguém lhe mandar, ele as vigia para saber se
aguentam tempestades e borrascas.
Que
ser misterioso. Pois que também é sábio: conhece, ao olhar apenas,
as plantas que curam doença de bicho. Porque ele protege os animais
contra malefícios e caçadores. E faz tudo isso sem deixar marcas.
Só fica no ar um perfume de mata virgem que é o seu. Mas o
danadinho raramente auxilia pessoas, esse pequeno moleque.
Às
vezes simpatiza com um ou outro caçador e logo o convida para morar
na floresta. Como o Saci-Pererê, também pede fumo e em troca do que
lhe é dado ensina os segredos da selva.
Também
sabe se vingar dos índios que, com flechas, ferem um bicho indefeso.
Então o Curupira o atrai para caminhos sem fim e eis o caçador
enganado, tonto e perdido. É verdade que pede antes a um caçador
que não mate animais dos que vivem em grupo, porque o grupo ficará
com saudade deles. Mas ai de nós se o índio não cede! Não tem o
perdão do Curupira. Espalha fogo e quase deixa o índio bem assado.
Os caçadores temem esta espécie de gnomo-monstro e suas vinganças.
Tudo
o que ele pede, se não dão atrai sorte ruim. Me dá fumo!, diz o
Curupira para o índio jangadeiro. E se este nega, a jangada é
virada para o fundo das águas. Tem qualquer parentesco com o
Saci-Pererê. Mas enquanto este gosta de se divertir com os outros,
com o Curupira não se brinca. Por exemplo: coitado de quem penetra
na sua mata que lhe serve de casa. A vingança não tarda.
Não
se sabe é explicar por que ele é tão bom com os bichos. E, se não
está em guerra, vive muito bem nas profundezas distantes da
floresta.
Clarice Lispector, in Doze Lendas Brasileiras
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