Ele
tinha o costume de gesticular seu pensamento,
de
sorte que estar parado era já ter compreendido
ou
não ter dúvidas. Foi um abalo enorme quando se deu o que conto,
porque
ultimamente ocupava a compreensão em tomar os remédios,
não
comer sal, medir cor e volume de sua urina difícil.
Sem
que ninguém suspeitasse ficou em pé na sala
e
começou a cantar, pondo e tirando da jarra o galhinho de flor,
a
voz como antes, firme, alta, grossa, anterior
a
qualquer debilidade do seu corpo.
Um
susto às avessas do susto foi o nosso,
porque
a barriga dele continuava altíssima e alagava a mina
rompida
de sua perna. Fugimos como nas guerras.
Um
de nós foi chorar na privada, outro no quintal,
eu
inventei uma barata pra matar com um chinelo.
A
alegria dele desertava, quase, do que fosse
uma
alegria humana e não estávamos à altura de entendê-la.
Sofrer
era muito mais fácil.
Adélia Prado, in Bagagem
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