Olhe
ao redor: são grandes as chances de que haja pelo menos vinte ou
trinta objetos em seu campo de visão. Que coisas são essas? Como
chegaram aí? Para que elas servem?
Está
na hora de vermos nossas coisas pelo que elas são. Precisamos
nomeá-las, defini-las e acabar com o mistério que as cerca. O que
são exatamente esses objetos que gastamos tanto tempo e energia para
adquirir, manter e armazenar? E como foi que se multiplicaram assim?
(Será que se reproduziram enquanto a gente dormia?)
De
modo geral, podemos dividir nossas coisas em três categorias: coisas
úteis, coisas bonitas e coisas afetivas.
Vamos
começar pela categoria mais fácil: as coisas úteis. Nada mais são
do que os itens práticos e funcionais que nos auxiliam a realizar
tarefas. Alguns são fundamentais para a sobrevivência; outros
facilitam um pouco a vida. É tentador pensar que todas as nossas
coisas são úteis — mas você já leu um livro sobre técnicas de
sobrevivência? Seria um exercício e tanto para esclarecer quão
pouco realmente precisamos para seguir vivendo: um abrigo simples,
roupas para regular a temperatura corporal, água, comida, alguns
recipientes e utensílios para cozinhar. (Se isso é tudo que você
possui, pode parar de ler agora; se não, venha com a gente e
segure-se!)
Além
do imprescindível, existem objetos que, embora não sejam
necessários à sobrevivência, ainda assim são muito úteis: camas,
lençóis, computadores, chaleiras, pentes, canetas, grampeadores,
luminárias, livros, pratos, garfos, sofás, extensões de fio,
martelos, chaves de fenda, espanadores — acho que deu para
entender. Tudo o que você usa com frequência e que realmente agrega
valor à sua vida é bem-vindo em um lar minimalista.
Ah,
mas lembre-se: para ser útil, um objeto precisa ser utilizado. Essa
é a pegadinha: a maioria das pessoas tem muitas coisas
potencialmente úteis que simplesmente ficam sem uso. Coisas
repetidas são um ótimo exemplo: quantos potes de plástico que você
tem na despensa são de fato utilizados? Você realmente precisa de
uma furadeira reserva? Outras coisas definham porque são muito
complicadas ou difíceis de limpar: é o caso dos processadores de
alimento, dos aparelhos de fondue e dos umidificadores. Existem
também os itens das categorias “por via das dúvidas” e “posso
precisar disso mais tarde”, que ficam esquecidos no fundo das
gavetas, à espera da estreia. Esses são os objetos com os dias
contados.
Misturadas
às coisas úteis estão aquelas que não têm função prática, mas
que satisfazem um tipo diferente de necessidade: nós gostamos de
olhar para elas. Simples assim. Ao longo da história, os seres
humanos se sentiram compelidos a embelezar seus ambientes — como
evidenciam as pinturas rupestres paleolíticas e os quadros
pendurados acima do sofá.
A
apreciação estética é parte importante da nossa identidade e não
deve ser ignorada. O brilho de um vaso bonito ou as linhas elegantes
de uma cadeira moderna podem trazer satisfação profunda a nossas
almas; esses objetos, portanto, têm todo o direito de fazer parte da
nossa vida. A advertência: eles devem ser respeitados e honrados com
um lugar de destaque em nossas casas. Se a sua coleção de cristal
de Murano está juntando pó numa prateleira — ou, pior, guardada
na despensa —, ela não é nada além de uma bagunça colorida.
Quando
estiver fazendo o inventário das suas posses, não dê passe livre a
tudo o que for artístico. Só porque alguma coisa chamou sua atenção
numa feira de arte, isso não significa que ela merece morar para
sempre na estante da sua sala de estar. Por outro lado, se aquilo
sempre coloca um sorriso no seu rosto — ou se a harmonia visual da
peça traz à sua alma uma compreensão mais profunda da beleza da
vida —, o lugar desse objeto na sua casa é merecido.
Ora,
se todas as coisas em nossas casas fossem divididas em bonitas ou
úteis seria fácil. Mas, sem sombra de dúvida, você irá encontrar
muitos objetos que não são nem um nem outro. Então, de onde eles
vieram e por que estão aí? Noventa por cento das vezes, eles
representam alguma memória ou ligação afetiva: a antiga porcelana
da sua avó, a coleção de cachimbos do seu pai, o sarongue que você
comprou na lua de mel. Eles nos recordam pessoas, lugares e
acontecimentos que têm certa importância para nós. Muitas vezes,
entram em nossa casa na forma de presentes, heranças ou
lembrancinhas.
De
novo: se o objeto em questão enche seu peito de alegria, exiba-o com
orgulho e desfrute da presença dele. Se, por outro lado, você o
guarda por um senso de obrigação (como se a sua tia Edna fosse se
revirar no túmulo caso você passasse as xícaras de porcelana dela
para a frente) ou para comprovar uma experiência (como se ninguém
fosse acreditar que você visitou o Grand Canyon caso jogasse fora
aquele globo de neve cafona), você precisa de um exame de
consciência.
Ao
andar pela casa, converse com suas coisas. Pergunte a cada objeto: “O
que você é e para que serve?”, “Como você entrou na minha
vida?”, “Eu te comprei ou te ganhei de presente?”, “Com que
frequência você é usado?”, “Eu te substituiria se te perdesse
ou você quebrasse, ou ficaria aliviado por te jogar fora?”, “Eu
te queria antes de te possuir?”. Seja sincero nas respostas: você
não vai magoar os sentimentos das suas coisas.
Ao
longo das perguntas, é provável que você se depare com duas
subcategorias de itens, uma das quais é “coisas de outras coisas”.
Você entende o que quero dizer — algumas coisas simplesmente
acumulam outras pela própria natureza: acessórios, manuais,
limpadores, coisas que fazem parte de outras coisas, que servem para
ligar coisas, guardar coisas ou consertar coisas. Existe um grande
potencial de organização aqui: livrar-se de uma coisa pode gerar
uma série de descartes!
A
segunda subcategoria é a de “coisas de outras pessoas”. Essa é
complicada. Talvez com exceção de seus filhos (pequenos), sua
autoridade sobre as coisas dos outros é bem limitada. Se estivermos
falando daquele caiaque que seu irmão pediu para você guardar no
porão — e que não veio buscar há quinze anos —, você tem todo
o direito de cuidar do assunto por conta própria (depois, claro, de
dar um telefonema solicitando a retirada imediata). No entanto, a
pilha de utensílios ligados ao hobby do seu parceiro ou os video
games antigos do seu filho adolescente requerem uma atitude mais
diplomática. Com sorte, sua arrumação se tornará contagiosa e,
como consequência, as outras pessoas cuidarão de suas próprias
coisas.
Por
enquanto, ande pela casa e examine suas coisas: esse objeto é útil,
aquele outro é bonito, aquele lá é de outra pessoa (moleza!). Não
se preocupe em arrumar nada ainda; logo iremos para essa parte.
Claro, se por acaso você se deparar com algo inútil, feio ou
inidentificável — vá em frente, adiante-se e desapegue!
Francine Jay, in Menos é mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida
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