A
um suíço inteligente perguntamos uma vez por que não havia
propriamente pensamento filosófico na Suíça. Como resposta, nosso
interlocutor lembrou-me que seu país tem três raças, quatro
línguas. De onde podemos concluir, três ou quatro pensamentos. Que
esta nação que funciona, digamos, quase perfeitamente, precisa
constantemente procurar um equilíbrio, fazer uma suma de ideias,
reduzi-las àquela que, sem ferir completamente as outras, satisfaça
mais ou menos a todos. Assim, quem pensa espera de antemão uma
vitória apenas média. As ideias de cada um se encontram e param no
seu ponto de contato com as outras. Ora, o pensamento filosófico é
por excelência aquele que vai até o seu próprio extremo. Não pode
admitir transigências, senão a posteriori. Nenhuma obra filosófica
poderia ser construída tendo como um de seus princípios tácitos a
necessidade de se chegar somente até certo ponto.
Este
é mais um dos aspectos da neutralidade suíça. Esta não funciona
apenas em relação a fins exteriores. É um princípio que dirige a
paz interna, exatamente tendo em vista a mistura de raças. É um
princípio, mais do que de paz, de apaziguamento. Ser neutro não é
solução a determinado caso, ser neutro tornou-se, com o tempo, uma
atitude e uma previdência.
Esse
admirável país encontrou sua fórmula própria de organização
social e política. Mas que pouco a pouco estendeu-se a uma fórmula
de vida.
O
amálgama de tendências e necessidades formou uma cultura e
entranhou-se de tal forma nos indivíduos que, se esta nação não
fosse formada de vários grupos raciais, se poderia cair na
facilidade de falar em caráter racial.
Pode-se
falar no entanto em caracteres nacionais – e um dos mais evidentes
é o da atitude mental de precaução.
A
impressão que se tem de um suíço é a de um homem que vive em
segurança e, mais do que isso, que sofre da ânsia de segurança. A
propósito disso poder-se-iam lembrar várias causas gerais, como
situação geográfica, dificuldade de produção agrária etc.
Essa
atitude de previdência encontra, a cada momento, motivo de se
concretizar. E se estende até onde já seria desejável que se
interrompesse.
Assim,
por exemplo, é comum, pelo menos em Berna, ver-se metade de uma
plateia retirar-se antes de começarem as músicas modernas.
Às vezes antes de peças que serão executadas pela primeira vez na
Suíça.
No
entanto o povo suíço gosta realmente de música, sinceramente, sem
nenhum esnobismo. O fato é motivado particularmente pelo horror que
o povo tem pela música moderna ou pela literatura moderna ou pela
pintura moderna: a palavra moderna soa um pouco como escândalo, como
aventura ainda suspeita. Porém, mais amplamente e mais
profundamente, esse fato vem de que o suíço teme errar na sua
admiração.
Os
suplementos literários de jornais suíços descobrirão cartas
sepultas de Vigny – adivinharão pensamentos ocultos de Madame de
Staël – atacarão, mesmo com certa ferocidade cômoda, o várias
vezes falecido Renan – desculparão Victor Hugo nas suas brigas com
amigos – e se aparece oportunidade de comemoração de centenários
as páginas se cobrirão de comentários a respeito; há mais
centenários na terra do que um homem atual pode prever.
Não
é apenas por gosto e por respeito à tradição. É medo de se
arriscar. Um escritor vivo é risco constante. É homem que pode
amanhã injustificar a admiração que se teve por sua obra com um
mau discurso, com um livro mais fraco.
O
povo suíço nada recebeu gratuitamente. Tudo nessa terra tem marca
de nobre esforço, de conquista paciente. E não foi pouco o que eles
conseguiram – tornar-se um símbolo de paz.
Esse
estado de alta civilização – onde a expressão homem civil
tem realmente um sentido e uma força – eles o manterão a todo
custo, com austera previdência, com dura disciplina mental, com a
precaução contra o erro.
O
que não impede que tanta gente, em silêncio, se jogue da ponte de
Kirchenfeld, sem que os jornais sequer noticiem para que outros não
o repitam. De algum modo há de se pagar a segurança, a paz, o medo
de errar.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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