domingo, 15 de maio de 2022

Noturno

O gato, que mora no mundo para sempre perdido do cinema silencioso, atravessa o país do tapete, onde se abrem flores falsamente tropicais.
Ao pé da escada, por força do hábito, a avozinha morta começa a tricotar mais um pulôver.
Por trás de suas barbas, no retrato da parede, o olhar do avô indaga: — para quê?
De repente, na copa, o refrigerador compõe ruidosamente a garganta, enquanto estremecem de medo os frágeis habitantes do porta-cristais: — Meu Deus, meu Deus, ele agora vai fazer um discurso!

Mário Quintana, in Esconderijos do tempo

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