Ela
lhe deu o livro e disse:
– É
uma estória de amor muito bonita. Mas não quero o fim para nós...
Na
capa do livro estava escrito As pontes de Madison.
Madison
era o nome de uma daquelas cidadezinhas pacatas do interior
norte-americano, lugar de criadores de gado. Novidades não havia,
todas as noites era a mesma coisa: os homens se reuniam nos bares
para beber cerveja e falar sobre touros e vacas, ou jogavam boliche
com suas mulheres, que durante o dia cuidavam da casa e cozinhavam.
Aos domingos a família ia à igreja e cumprimentava o pastor na
saída pelo bom sermão. Todos conheciam todos, todos sabiam de tudo,
vida privada não havia, nem segredos, e como gado manso ninguém se
atrevia a pular a cerca, porque todos ficariam sabendo.
A
cidade era vazia de atrativos além do gado, a não ser algumas
pontes cobertas sobre um rio às quais os moradores não atribuíam
nenhuma importância. Eram cobertas como proteção contra as
nevascas de inverno, que poderiam interditá-las, bloqueando o
tráfego dos veículos. Só uns poucos turistas que paravam no lugar
as julgavam dignas de ser fotografadas.
A
família, pacata como todas as outras, era composta de marido, mulher
e dois filhos. Tinham cabeça de criadores de gado, cheiro de
criadores de gado, olhos de criadores de gado e sensibilidade de
criadores de gado. A esposa era uma mulher bonita e discreta, de
sorriso e olhos tristes. Mas o marido não a via, lotado que estava
com touros e vacas.
Sua
rotina de vida era igual à rotina de todas as outras mulheres. Essa
era a sorte comum de todas, que, em Madison, haviam se esquecido da
arte de sonhar. A porta das gaiolas podia ficar aberta, mas suas asas
tinham desaprendido a arte do voo.
Marido
e filhos tratavam a casa como uma extensão dos currais, e havia na
cozinha aquela porta de molas que batia no batente, produzindo um
ruído seco como o de uma porteira, sempre que entravam. A mulher já
lhes havia pedido vezes sem conta que segurassem a porta para que ela
fechasse de mansinho. Mas o pai e os filhos, acostumados à música
da porteira, não prestavam atenção. Com o passar do tempo ela
compreendeu que era inútil. A batida seca da porta passou a ser o
sinal de que marido e filhos haviam chegado.
Aquele
era um dia diferente. Havia excitação na cidade. Os homens se
preparavam para levar seus animais a uma exposição de gado numa
cidade próxima. As mulheres ficariam sozinhas. Na cidadezinha amiga
estariam protegidas.
E
assim aconteceu com ela naquele dia em que a porta não bateu…
Era
uma tarde parada e calorenta. Nem uma vivalma até onde a vista
alcançava. Ela, sozinha na casa.
Rompendo
a mesmice de todos os dias, passou pela estrada de terra um estranho
guiando um jipe. Estava perdido – enganara-se sobre as estradas,
que não tinham indicações, e procurava alguém que pudesse
ajudá-lo a encontrar aquilo que procurava. Era um fotógrafo que
procurava as pontes cobertas, para escrever um artigo para a National
Geographic Magazine.
Vendo
a mulher que da varanda o observava interrogativa – quem seria? –,
ele parou defronte da casa. Surpreendido que uma mulher tão bonita
estivesse sozinha naquele fim de mundo, ele se aproxima e é
convidado a subir até a varanda. Que mal poderia haver nesse gesto
de cortesia? Ele estava suado. Que mal haveria em tomarem juntos uma
limonada gelada? Quanto tempo fazia que ela não conversava assim com
um homem estranho, sozinha?
Foi
então que aconteceu. E os dois disseram em silêncio: “Quando te
vi amei-te já muito antes...”. E assim a noite passou, com um amor
manso, delicado e apaixonado, que nem ela nem ele jamais haviam
experimentado.
Mas
o tempo da felicidade passa rápido. A madrugada chegou. A vida real
em breve entraria pela porta: filhos, marido e o barulho seco da
porta. Hora da despedida, hora do “nunca mais”.
Mas
a paixão não aceita separações. Ela deseja a eternidade: Que seja
eterno embora chama e infinito para todo o sempre... Eles tomam,
então, a decisão de partir juntos. Ele a esperaria numa determinada
esquina. Para ele seria fácil – solteiro, livre, nada o prendia.
Difícil para ela, presa ao marido e aos filhos. E ela pensava na
humilhação que sofreriam na tagarelice dos bares e da igreja.
Chovia
forte. Ela e o marido se aproximam da esquina combinada, o marido sem
suspeitar do sofrimento de paixão assentado ao seu lado. Sinal
vermelho. O carro para. Ele a espera na esquina, a chuva lhe
escorrendo pelo rosto e pelas roupas. Seus olhares se encontram. Ele,
decidido, esperando. Ela, partida pela dor. A decisão ainda não
está feita. Sua mão está crispada sobre a maçaneta. Bastaria um
movimento da mão, não mais que cinco centímetros. A porta se
abriria, ela sairia sob a chuva e iria abraçar aquele que amava. A
luz verde do semáforo se acende. A porta não se abre. O carro segue
rumo ao “nunca mais”...
E
esse é o fim da estória no livro (e no filme) e na vida…
Rubem Alves, in Cantos do Pássaro Encantado
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