Mestre
das canções praieiras, pioneiro na valorização dos temas
afro-baianos, Dorival Caymmi também foi o autor de adoráveis
sambas-canção urbanos. Essa é uma vertente que, em grande parte,
se deve à mudança do jovem compositor para o Rio de Janeiro, em
1938, onde compôs muito de uma obra reconhecida e aplaudida já em
seus primeiros passos, o que permitiu que o baiano se dedicasse quase
integralmente à música. Quase pelo fato de o homem que viveu tão
intensamente também ter se aventurado com talento pela pintura.
Mesmo
que inspirado por lembranças de uma viagem ao Recife “do frevo e
do maracatu”, “Dora” está no grupo de sambas-canção
“cariocas” e é um exemplo do talento do compositor como cronista
de seu mundo e de seu tempo. Como o próprio contou, no carnaval de
1942, hospedado no Grande Hotel do Recife, ele passou por um momento
de epifania durante o desfile de um bloco no qual uma passista mulata
dançava descalça. Gravada em detalhes em sua cabeça, pouco tempo
depois, a cena foi recriada em forma de samba.
Obra-prima
que funde balanço, lirismo e melodia exuberante em doses certeiras,
“Dora” também é um exemplo de concisão poética. Em poucas
pinceladas, Caymmi apresenta o cenário (a cidade “dos rios
cortados de pontes / dos bairros, das fontes, coloniais”) e
desenvolve o enredo. Ação que, na verdade, é descrita por meio de
flashbacks, a musa anônima (que, pela sonoridade, batizou de
Dora) “requebrando / pra cá, ora pra lá” em seu pensamento.
O
samba-canção foi lançado por Caymmi num compacto para a Odeon, em
agosto de 1945, que trazia no lado B mais um sucesso, “Peguei um
Ita no Norte”. Desde então, o compositor voltou muitas vezes à
“rainha cafusa” em seus discos – no arranjo para a gravação
de um álbum de 1960, por exemplo, manteve as breves frases musicais
dos sopros que remetem ao frevo. Com suas duas sílabas adoráveis de
degustar, “Dora” também foi incorporada ao repertório de Nelson
Gonçalves, Gal Costa e, claro, dos filhos Nana, Dori e Danilo.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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