sexta-feira, 27 de maio de 2022

Desmascaramento de um Trapaceiro

Finalmente, cerca de 10 horas da noite, em companhia de um homem que eu já conhecia antes, mas só de passagem, e que dessa vez se juntara a mim de repente e durante duas horas me fizera dar voltas pelas ruas, cheguei diante da casa senhorial à qual tinha sido convidado para uma reunião.
Muito bem — disse eu batendo palmas em sinal da necessidade absoluta de uma despedida.
Já havia feito algumas tentativas menos claras nesse sentido. Estava completamente cansado.
Vai subir já? — perguntou ele.
Ouvi em sua boca um ruído semelhante ao de dentes batendo uns contra os outros.
Sim.
Eu tinha sido de fato convidado — isso eu lhe disse logo. Mas convidado para subir lá onde já estaria com o maior prazer, e não para permanecer aqui embaixo, diante do portão, olhando rente às orelhas de quem se postava à minha frente. E ainda mais para agora ficar mudo com ele, como se tivéssemos decidido fazer uma longa estada neste lugar. Começaram logo a participar desse silêncio as casas em torno e a escuridão sobre elas até as estrelas. E os passos de pedestres invisíveis, cujos caminhos não havia vontade de adivinhar, o vento que se espremia sem cessar no lado oposto da rua, um gramofone que cantava de encontro às janelas fechadas de algum quarto — todos faziam-se escutar a partir desse silêncio, como se desde sempre e para sempre ele fosse sua propriedade.
E meu acompanhante se adaptava em seu próprio nome e — após um sorriso — em meu nome também, esticando para o alto, ao longo do muro, o braço direito, reclinando nele o rosto, os olhos cerrados.
Mas esse sorriso eu já não enxerguei até o fim, pois a vergonha me fez virar de repente. Só nesse sorriso, portanto, eu havia reconhecido que ele era um trapaceiro e nada mais. E no entanto eu já estava nesta cidade fazia meses, julgara conhecer a fundo esses embusteiros — como eles à noite vêm das travessas ao nosso encontro, os braços estendidos de donos de hospedaria, como eles se colam à coluna de cartazes perto da qual estamos, à maneira de um jogo de esconde-esconde, e emergem por trás dela espionando no mínimo com um olho; o modo como eles, nos cruzamentos de rua, quando ficamos receosos, de súbito pairam diante de nós sobre a quina da nossa calçada!
Eu os compreendia tão bem, na verdade eles tinham sido meus primeiros conhecidos da cidade, em pequenas tavernas; a eles devia o primeiro relance de uma intransigência que agora eu podia abstrair tão pouco da terra que já começava a senti-la em mim. Como eles prosseguiam à nossa frente mesmo quando se havia fugido deles fazia muito, muito tempo, quando portanto fazia muito tempo que não existia mais nada para fisgar! Como eles não se sentavam, como não caíam, mas fitavam com olhares que, embora à distância, continuavam a convencer! E seus meios eram sempre os mesmos: plantavam-se à nossa frente da maneira mais ampla possível, buscavam nos impedir de chegar aonde pretendíamos e como compensação nos preparavam uma morada no seu peito; e, se no final se encapelava em nós o sentimento acumulado, eles o tomavam por abraço ao qual se atiravam, o rosto à frente.
E esses velhos truques dessa vez eu só reconheci depois de um longo contato. Esfreguei com força as pontas dos dedos umas nas outras para varrer de mim o vexame.
Mas aqui o homem se inclinava como antes, ainda se considerava capaz de um golpe e a satisfação com o próprio destino lhe avermelhava a face livre.
Pego em flagrante! — eu disse batendo-lhe de leve no ombro.
Depois subi correndo a escada e na antessala lá em cima os rostos fiéis, tão sem fundamento, dos criados me alegraram como uma bela surpresa. Olhei para todos, um após o outro, enquanto eles me despiam o casaco e tiravam o pó das minhas botas. Respirando fundo, o corpo aprumado, entrei então na sala.

Franz Kafka, in Contemplação

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