Ao
refletir sobre minha existência e minha vida social, vejo claramente
minha estrita dependência intelectual e prática. Dependo
integralmente da existência e da vida dos outros. E descubro ser
minha natureza semelhante em todos os pontos à natureza do animal
que vive em grupo. Como um alimento produzido pelo homem, visto uma
roupa fabricada pelo homem, habito uma casa construída por ele. O
que sei e o que penso, eu o devo ao homem. E para comunicá-los
utilizo a linguagem criada pelo homem. Mas quem sou eu realmente, se
minha faculdade de pensar ignora a linguagem? Sou, sem dúvida, um
animal superior, mas sem a palavra a condição humana é digna de
lástima.
Portanto
reconheço minha vantagem sobre o animal nesta vida de comunidade
humana. E se um indivíduo fosse abandonado desde o nascimento, seria
irremediavelmente um animal em seu corpo e em seus reflexos. Posso
concebê-lo, mas não posso imaginá-lo. Eu, enquanto homem, não
existo somente como criatura individual, mas me descubro membro de
uma grande comunidade humana. Ela me dirige, corpo e alma, desde o
nascimento até a morte.
Meu
valor consiste em reconhecê-lo. Sou realmente um homem quando meus
sentimentos, pensamentos e atos têm uma única finalidade: a
comunidade e seu progresso. Minha atitude social portanto determinará
o juízo que têm sobre mim, bom ou mau. Contudo, esta afirmação
primordial não basta. Tenho de reconhecer nos dons materiais,
intelectuais e morais da sociedade o papel excepcional, perpetuado
por inúmeras gerações, de alguns homens criadores de gênio. Sim,
um dia, um homem utiliza o fogo pela primeira vez; sim, um dia ele
cultiva plantas alimentícias; sim, ele inventa a máquina a vapor. O
homem solitário pensa sozinho e cria novos valores para a
comunidade. Inventa assim novas regras morais e modifica a vida
social. A personalidade criadora deve pensar e julgar por si mesma,
porque o progresso moral da sociedade depende exclusivamente de sua
independência. A não ser assim, a sociedade estará inexoravelmente
votada ao malogro, e o ser humano privado da possibilidade de
comunicar.
Defino
uma sociedade sadia por este laço duplo. Somente existe por seres
independentes, mas profundamente unidos ao grupo. Assim, quando
analisamos as civilizações antigas e descobrimos o desabrochar da
cultura europeia no momento do Renascimento italiano, reconhecemos
estar a Idade Média morta e ultrapassada, porque os escravos se
libertam e os grandes espíritos conseguem existir.
Hoje,
que direi da época, do estado, da sociedade e da pessoa humana?
Nosso planeta chegou a uma população prodigiosamente aumentada se a
comparamos às cifras do passado. Por exemplo, a Europa encerra três
vezes mais habitantes do que há um século. Mas o número de
personalidades criadoras diminuiu. E a comunidade não descobre mais
esses seres de que tem necessidade essencial. A organização
mecânica substituiu-se parcialmente ao homem inovador. Esta
transformação se opera evidentemente no mundo tecnológico, mas já
em proporção inquietadora também no mundo científico.
A
falta de pessoas de gênio nota-se tragicamente no mundo estético.
Pintura e música degeneram e os homens são menos sensíveis. Os
chefes políticos não existem e os cidadãos fazem pouco caso de sua
independência intelectual e da necessidade de um direito moral. As
organizações comunitárias democráticas e parlamentares, privadas
dos fundamentos de valor, estão decadentes em numerosos países.
Então aparecem as ditaduras. São toleradas porque o respeito da
pessoa e o senso social estão agonizantes ou já mortos. Pouco
importa em que lugar, em quinze dias, uma campanha da imprensa pode
instigar uma população incapaz de julgamento a um tal grau de
loucura, que os homens se prontificam a vestir a farda de soldado
para matar e se deixarem matar. E seres maus realizam assim suas
intenções desprezíveis. A dignidade da pessoa humana está
irremediavelmente aviltada pela obrigação do serviço militar e
nossa humanidade civilizada sofre hoje deste câncer. Por isso, os
profetas, comentando este flagelo, não cessam de anunciar a queda
iminente de nossa civilização. Não faço parte daqueles
futurólogos do Apocalipse, porque creio em um futuro melhor e vou
justificar minha esperança.
A
atual decadência, através dos fulminantes progressos da economia e
da técnica, revela a amplidão do combate dos homens por sua
existência. A humanidade aí perdeu o desenvolvimento livre da
pessoa humana. Mas este preço do progresso corresponde também a uma
diminuição do trabalho. O homem satisfaz mais depressa as
necessidades da comunidade. E a partilha científica do trabalho, ao
se tornar obrigatória, dará a segurança ao indivíduo. Portanto, a
comunidade vai renascer. Imagino os historiadores de amanhã
interpretando nossa época. Diagnosticarão os sintomas de doença
social como a prova dolorosa de um nascimento acelerado pelas bruscas
mutações do progresso. Mas reconhecerão uma humanidade a caminho.
Albert Einstein, in Como vejo o mundo
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