sábado, 23 de abril de 2022

Griselda


A dona Griselda fazia uns bolos fantásticos.
Ela tinha pastas com fotos dos bolos mais incríveis do universo. Era esse, e não o vestido novo. Era esse, e não os presentes embrulhados em celofane. Era esse, e não a comida favorita, o momento mais feliz dos aniversários: escolhê-lo e pensar na cara de inveja dos amigos ao ver quão internacionalmente bacana era nosso bolo.
É que os bolos da dona Griselda não eram redondos como os de todo mundo. Tinham formas. De Mickey Mouse, de casa de bonecas, de carro de bombeiro, de Ursinho Pooh, de Tartarugas Ninja.
Os bolos da dona Griselda tampouco eram brancos com confetes coloridos como os que minha mãe fazia, ou de pão de ló ou chocolate, como os que se veem em todo aniversário. Não. Se fosse um táxi, o bolo era amarelo táxi; se fosse uma viatura de polícia, tinha até as luzinhas vermelhas da sirene; se fosse uma partida de futebol, branco e preto; e se fosse a Cinderela, de todas as cores da Cinderela, inclusive o cabelo loiro, os sapatinhos de cristal e os ratinhos cinzentos.
Dona Griselda fazia uns bolos inesquecíveis. Para o meu irmão, ela fez o da primeira comunhão em formato de Bíblia aberta e nas páginas açucaradas escreveu em letrinhas douradas: “Nada mais perfeito que o Amor, o Amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. As pessoas não paravam de perguntar à minha mãe de onde ela tinha trazido aquele bolo tão espetacular e tiravam fotos dele em vez de fotografar meu irmão. Quer dizer, fotografavam meu irmão, mas com o bolo junto. Minha mãe contou a dona Griselda. Ela ficou vermelha, parecia feliz.
Quando se aproximava a data, nós aniversariantes do bairro, com uma emoção gigantesca na barriga, íamos até a dona Griselda, depois de ter insistido muito com nossa mãe todos os dias. Por fim, chegava o momento em que ela nos dava as pastas e muito cerimoniosamente nos dizia: “Escolha o que você quiser. Não tenha pressa”. Seus olhos brilhavam enquanto ela esperava que apontássemos com o dedo: “Este”.
Começávamos a virar as páginas. A escolha, aquele momento terrível. E os irmãos sempre se intrometendo, interrompendo: “Mamãe, eu quero este para o meu próximo aniversário”, “Manhê, ela não pode fazer um bolo pra mim?”. Havia discussões. Um ano, como não conseguimos entrar num acordo, houve um de R2D2 e outro de Moranguinho na minha festa.
Minha mãe, enquanto decidíamos, perguntava a dona Griselda pela sua saúde, por Griseldita, pelas plantas. Mas não pelo marido. O marido, diziam, tinha ido embora com outra mulher. Ou que um dia saiu para trabalhar e não voltou. Ou que estava preso. Ou que lhe dava umas surras que a deixavam de cama durante dias e que ela ameaçou chamar a polícia. Ou que ele havia posto dona Griselda e sua filha para fora de casa, e as duas tiveram que vir morar aqui. Eu conhecia muito bem a casa porque nela morou uma amiga minha, Wendy Martillo, até ir embora porque seus pais se divorciaram.
Embora fosse a mesma, como a casa da dona Griselda era diferente da casa da minha amiga Wendy Martillo! Talvez os móveis fossem muito grandes e muito escuros para uma sala tão pequena, talvez fossem as cortinas, que sempre estavam fechadas. A casa da dona Griselda cheirava a coisa guardada, velha, embolorada. Mas nada disso importava porque era questão de abrir a pasta e tudo se enchia de cores, de personagens da Disney, de campos de futebol com grama de açúcar verde, arcos de confete e jogadores de bolacha; de baús do tesouro cheios de moedas de chocolate; de corações, de ursos, de sapatinhos de bebê, de Barbies, de Homens-Aranha e de tudo quanto pudéssemos sonhar em ver num bolo.
Dona Griselda não vivia disso. Na verdade, cobrava barato porque no bairro todo mundo estava mal de dinheiro. A filha, Griseldita, era quem as sustentava. Parece que tinha dinheiro. Havia trocado de carro duas vezes e sempre estava de roupa nova. Comprava sacolas e mais sacolas da dona Martha, vizinha da frente, que trazia muamba do Panamá, e foi essa mesma senhora que espalhou a fofoca de que Griseldita andava no mau caminho. Dizia assim mesmo, “mau caminho”. Griseldita era loira, muito branca, e andava sempre com uns saltos que a faziam parecer altíssima. Muitas vezes chegava fazendo um escândalo de freios, chaves e barulho de saltos às quatro da manhã. O que nenhuma mulher do bairro fazia, Griseldita fazia.
Um dia fomos escolher um bolo para o meu aniversário de onze anos e assim que entramos, minha mãe, que estava na frente, me mandou voltar para casa. Pude ver alguma coisa. Dona Griselda estava estirada no chão, o penhoar levantado, dava para ver sua calcinha, e ela parecia morta. Gritei. Minha mãe, enfurecida, me mandou para casa e depois de um tempo eu a vi cruzar a rua correndo até a casa da dona Martha, da dona Diana e da dona Alicita. Depois acabou saindo todo o quarteirão na calçada. Aos gritos, chamavam o seu Baque, o vigia, para que viesse ajudar. Começamos a nos aproximar, apesar dos gritos das nossas mães.
Parece que alguém chamou Griseldita, porque ela apareceu logo depois, mais brava que assustada, espantando as mulheres que rodeavam sua mãe. Gritava feito louca. Que fossem embora velhas futriqueiras, que não estava acontecendo nada velhas de merda, que se metam com sua vida velhas putas, por acaso não têm casa velhas matracas. Dona Martha ficou na calçada murmurando: “Mas essa é muito boa, ela chamando a nós de putas. Que ainda por cima ajudamos sua mãe”.
Minha mãe foi a primeira a voltar para casa porque não gostava de confusão. Dizia “não gosto nada de bagunça”. Tinha sangue nas mãos e nós nos assustamos e começamos a chorar. “Dona Griselda caiu, não aconteceu nada, está bem, só tropeçou porque tinha acabado de lavar o chão.” Depois a ouvi falando com as outras. Dona Griselda estava cheirando a álcool, contava minha mãe, tinha caído e machucado a cabeça. Estava toda vomitada, sussurrava minha mãe, e suja. As outras respondiam que o lance da cabeça podia ser coisa da filha, que lhe descia a porrada. Diziam “porrada”. Minha mãe não acreditava. Mas não, como assim, uma filha fazer isso com a mãe, isso é uma aberração, isso não, isso não. As outras diziam sim, sim. Que as duas gostavam, e muito, é de um traguinho. Diziam “gostam, e muito, é de um traguinho”. Que se a filha chegava bêbada, batia na mãe. Que se a encontrava bêbada, batia nela. Que se estivesse sóbria, também batia. E que isso acontecia todos os dias.
Aquele ano do meu décimo primeiro aniversário não teve o bolo. Minha mãe não quis encomendá-lo a dona Griselda depois do ocorrido, então comemos um triste bolinho coberto com chantili branco, confeitos coloridos e a vela com o número 11. Mamãe me prometeu que no ano seguinte eu ia ter o bolo mais espetacular do mundo, e eu comecei a imaginar uma Barbie altíssima e loiríssima com coroa e um vestido de princesa cor-de-rosa com fios prateados, todo feito com camadas de bolo e doce de leite de recheio. Dona Griselda me faria o bolo-Barbie mais precioso do mundo. Eu já o imaginava, tão perfeito, no centro da mesa. Minhas amigas iam morrer. Plaf, plaf, plaf. Uma atrás da outra, como baratas com Baigón.
Naquele Natal fez um calor insuportável e metade do bairro estava na calçada quando escutamos o disparo. Bum. Como um trovão. Os morcegos voaram fazendo aquele guincho espantoso. Os cachorros começaram a latir. Todo mundo se instalou em volta da casa da dona Griselda, mas ninguém se atreveu a entrar.
Os policiais a trouxeram enrolada num lençol branco que ia se empapando de sangue cada vez mais, como se a mancha crescesse.
O que você fez, dona Griseldita?”, mamãe chorava. “E se foi a filha?”, dona Martha chorava. E tapavam nossos olhos e nos mandavam para casa, mas ninguém obedecia. Ficamos ali, um pouquinho afastados. As sirenes dos carros de polícia davam voltas e mais voltas. Tudo era vermelho. Ao longe, alguém estourava bombinhas e fogos de artifício. A mancha crescendo, crescendo, e uma mão escapando do lençol. Apenas uma mão, como se dizendo “tchau para vocês que ficam”.
Depois de poucos dias, veio um caminhão e levou os móveis gigantescos da dona Griselda e muitas caixas nas quais, suponho, iam as pastas dos bolos. A filha também foi embora do bairro naquele dia. Nunca mais a vimos.
Meu próximo aniversário teve um bolo redondo, de merda, mas para dizer a verdade, isso já não me importava nem um pouco.

María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos

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