quinta-feira, 3 de março de 2022

Uma dupla

 


Aos quatro anos você era uma garotinha sorridente, curiosa e dinâmica. Você se esgoelava por qualquer motivo. Olhos úmidos, Margherita chocava você com um amor expansivo e mediterrâneo. Com ela, você passa facilmente do riso às lágrimas, dos gritos às canções. Juntas, vocês formam uma dupla. É um carnaval permanente. Entre os ímpetos de sua mãe e sua animação, tento achar um meio-termo, calmo e regular como o curso de um rio batavo. Nunca consigo. Nesses casos, só me resta a birra. Fico amuado, mas logo duas vozes se unem para me tirar desse estado.
Quando eu não estava viajando pela província ou pelo exterior, era a mim que cabia o privilégio de levar você à escola. E era eu que ia buscar você na escola no fim da tarde. Eu apreciava muito aquele tempo só nosso, aqueles quinze minutos de trajeto de ida e de volta. Já de manhã, você começava a fazer perguntas. Diabinha de saia, parecia esquecer que sou lento. Sobretudo de manhã. Eu precisava de algum tempo para atingir o nível da sua conversa. Com quatro anos, você não tinha papas na língua. A agitação da cidade não interferia em nossa conversa particular. Estávamos a sós no mundo. Eu tinha olhos apenas para você, Béa. Ouvidos apenas para a nossa conversa. Uma conversa que você animava com canções e risos, de acordo com o seu humor do momento.
Papai, medicina é um médico mulher?
Mmm…
A minha amiga Laetitia, ela diz que é…

Atravessávamos um pedaço do 10º distrito e três ruas depois chegávamos ao 9º. Quase todos os dias, encontrávamos os mesmos pedestres apressados, os mesmos comerciantes chineses lavando a soleira de seus bares-tabacarias, as mesmas crianças em seus carrinhos, os mesmos adolescentes de patinete. Aos seus olhos, tudo podia se animar como num passe de mágica. A menor coisa atraía sua atenção, tão viva desde que você saltava da cama. Animada, primeiro acenava para os soldados com a mão e depois gritava “Oi, soldados!” para os quatro homens de guarda, de uniforme de combate e metralhadora em punho que percorriam, marchando a passos largos, a rua que conduzia à sinagoga do bairro. Os soldados respondiam às suas saudações. De repente pressentíamos uma impaciência às nossas costas. Alguns passantes franziam a testa, outros se mostravam incomodados porque íamos andando devagar no nosso pedaço de calçada, em vez de andar na cadência frenética deles. Por que apressar o passo se tínhamos a vida inteira pela frente? Agarradas a seus celulares, aquelas pessoas esbarravam em todo mundo tanto na rua como nos corredores subterrâneos do metrô. Em algumas manhãs estávamos despreocupados e tagarelas, em outras, estranhamente silenciosos. Esses momentos de cumplicidade eram o maior privilégio do dia.

Certa manhã, eu ia levando você para a escola, você me fez uma pergunta com o máximo de atenção e de afeição na voz. Sem prejulgar o objeto da interrogação, eu sabia que aquela pergunta devia ter muita importância para você. E sem dúvida para mim também.
Você fez uma pausa demorada, administrando um longo silêncio que era sinônimo de suspense. Dentro de mim, uma pequena brisa de impaciência começava a apontar. Eu tentava parecer natural. Nenhuma palavra estava autorizada a sair da minha boca enquanto você se mantivesse em silêncio. Estávamos perto da sua escola. Uma passagem para pedestres, depois uma estação Vélib de compartilhamento de bicicletas, e era só atravessar o cruzamento, caminhar pela rua e entrar no prédio com portão azul-brilhante. Lá dentro, os pais frequentemente se surpreendiam com o tamanho modesto do pátio pavimentado, mas também com a brancura das paredes, que dava ao edifício uma aparência elegante.
Da impaciência eu começava a me dirigir para as praias da inquietude. Depois do silêncio você sorriu para mim, como para interromper minha angústia nascente. De repente, com uma certa brutalidade, perguntou:

Papai, por que você dança quando anda?
Hmmm…
Minha surpresa não era fingida. Você voltou ao ataque.
Isso, isso.
Não tive energia para protestar.
Você dança assim quando você anda, está vendo?
E você, juntando o gesto à palavra, saracoteou na minha frente. Eu tentava pôr ordem nos pensamentos. Aquilo me tocou. Eu tinha uma espécie de véu de umidade diante dos olhos. E a clara impressão de que as paredes de Paris faziam suas palavras ecoar nos meus ouvidos. Eu sentia uma ponta de crueldade em sua voz, Béa. Os antigos nômades que compõem minha árvore genealógica dizem que a verdade sai da boca das crianças e a gratidão, dos olhos da vaca que acaba de parir. Esse provérbio, que até então eu achava idiota, nunca me pareceu tão exato quanto naquela manhã. Você, minha filhinha, você me remetia à verdade com uma dose de afeição não desprovida de firmeza.

Suas palavras continuavam a rodar na minha cabeça.
Eu não podia mais me esquivar.
Ao encetar a última linha reta que leva a sua escola, cumprimentei com a cabeça um dos pais. Você me puxou pela manga do paletó para me mostrar que havia reconhecido o pai apressado. Meu cérebro acabava de dar uma volta para voltar à sua pergunta. E me perguntei por que danço há todos esses anos, quando só havia uma coisa a fazer.
Uma coisa,
uma só.
Andar,
andar direito,
como todo mundo.

No momento em que eu empurrava a porta da escola, você deve ter sentido o meu tormento, porque voltou ao nosso diálogo num tom mais leve.
Papai, você sabe andar de patinete?
Não sei… nunca tentei.
Papai, você sabe andar de bicicleta? Como a mamãe!
— ….
Eu sei andar de bicicleta. Nunca vi você numa bicicleta.

Abdourahman A. Waberi, in Por que você dança quando anda?

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