Aos
quatro anos você era uma garotinha sorridente, curiosa e dinâmica.
Você se esgoelava por qualquer motivo. Olhos úmidos, Margherita
chocava você com um amor expansivo e mediterrâneo. Com ela, você
passa facilmente do riso às lágrimas, dos gritos às canções.
Juntas, vocês formam uma dupla. É um carnaval permanente. Entre os
ímpetos de sua mãe e sua animação, tento achar um meio-termo,
calmo e regular como o curso de um rio batavo. Nunca consigo. Nesses
casos, só me resta a birra. Fico amuado, mas logo duas vozes se unem
para me tirar desse estado.
Quando
eu não estava viajando pela província ou pelo exterior, era a mim
que cabia o privilégio de levar você à escola. E era eu que ia
buscar você na escola no fim da tarde. Eu apreciava muito aquele
tempo só nosso, aqueles quinze minutos de trajeto de ida e de volta.
Já de manhã, você começava a fazer perguntas. Diabinha de saia,
parecia esquecer que sou lento. Sobretudo de manhã. Eu precisava de
algum tempo para atingir o nível da sua conversa. Com quatro anos,
você não tinha papas na língua. A agitação da cidade não
interferia em nossa conversa particular. Estávamos a sós no mundo.
Eu tinha olhos apenas para você, Béa. Ouvidos apenas para a nossa
conversa. Uma conversa que você animava com canções e risos, de
acordo com o seu humor do momento.
— Papai,
medicina é um médico mulher?
— Mmm…
— A
minha amiga Laetitia, ela diz que é…
Atravessávamos
um pedaço do 10º distrito e três ruas depois chegávamos ao 9º.
Quase todos os dias, encontrávamos os mesmos pedestres apressados,
os mesmos comerciantes chineses lavando a soleira de seus
bares-tabacarias, as mesmas crianças em seus carrinhos, os mesmos
adolescentes de patinete. Aos seus olhos, tudo podia se animar como
num passe de mágica. A menor coisa atraía sua atenção, tão viva
desde que você saltava da cama. Animada, primeiro acenava para os
soldados com a mão e depois gritava “Oi, soldados!” para os
quatro homens de guarda, de uniforme de combate e metralhadora em
punho que percorriam, marchando a passos largos, a rua que conduzia à
sinagoga do bairro. Os soldados respondiam às suas saudações. De
repente pressentíamos uma impaciência às nossas costas. Alguns
passantes franziam a testa, outros se mostravam incomodados porque
íamos andando devagar no nosso pedaço de calçada, em vez de andar
na cadência frenética deles. Por que apressar o passo se tínhamos
a vida inteira pela frente? Agarradas a seus celulares, aquelas
pessoas esbarravam em todo mundo tanto na rua como nos corredores
subterrâneos do metrô. Em algumas manhãs estávamos despreocupados
e tagarelas, em outras, estranhamente silenciosos. Esses momentos de
cumplicidade eram o maior privilégio do dia.
Certa
manhã, eu ia levando você para a escola, você me fez uma pergunta
com o máximo de atenção e de afeição na voz. Sem prejulgar o
objeto da interrogação, eu sabia que aquela pergunta devia ter
muita importância para você. E sem dúvida para mim também.
Você
fez uma pausa demorada, administrando um longo silêncio que era
sinônimo de suspense. Dentro de mim, uma pequena brisa de
impaciência começava a apontar. Eu tentava parecer natural. Nenhuma
palavra estava autorizada a sair da minha boca enquanto você se
mantivesse em silêncio. Estávamos perto da sua escola. Uma passagem
para pedestres, depois uma estação Vélib de compartilhamento de
bicicletas, e era só atravessar o cruzamento, caminhar pela rua e
entrar no prédio com portão azul-brilhante. Lá dentro, os pais
frequentemente se surpreendiam com o tamanho modesto do pátio
pavimentado, mas também com a brancura das paredes, que dava ao
edifício uma aparência elegante.
Da
impaciência eu começava a me dirigir para as praias da inquietude.
Depois do silêncio você sorriu para mim, como para interromper
minha angústia nascente. De repente, com uma certa brutalidade,
perguntou:
— Papai,
por que você dança quando anda?
— Hmmm…
Minha
surpresa não era fingida. Você voltou ao ataque.
— Isso,
isso.
Não
tive energia para protestar.
— Você
dança assim quando você anda, está vendo?
E
você, juntando o gesto à palavra, saracoteou na minha frente. Eu
tentava pôr ordem nos pensamentos. Aquilo me tocou. Eu tinha uma
espécie de véu de umidade diante dos olhos. E a clara impressão de
que as paredes de Paris faziam suas palavras ecoar nos meus ouvidos.
Eu sentia uma ponta de crueldade em sua voz, Béa. Os antigos nômades
que compõem minha árvore genealógica dizem que a verdade sai da
boca das crianças e a gratidão, dos olhos da vaca que acaba de
parir. Esse provérbio, que até então eu achava idiota, nunca me
pareceu tão exato quanto naquela manhã. Você, minha filhinha, você
me remetia à verdade com uma dose de afeição não desprovida de
firmeza.
Suas
palavras continuavam a rodar na minha cabeça.
Eu
não podia mais me esquivar.
Ao
encetar a última linha reta que leva a sua escola, cumprimentei com
a cabeça um dos pais. Você me puxou pela manga do paletó para me
mostrar que havia reconhecido o pai apressado. Meu cérebro acabava
de dar uma volta para voltar à sua pergunta. E me perguntei por que
danço há todos esses anos, quando só havia uma coisa a fazer.
Uma
coisa,
uma
só.
Andar,
andar
direito,
como
todo mundo.
No
momento em que eu empurrava a porta da escola, você deve ter sentido
o meu tormento, porque voltou ao nosso diálogo num tom mais leve.
— Papai,
você sabe andar de patinete?
— Não
sei… nunca tentei.
— Papai,
você sabe andar de bicicleta? Como a mamãe!
— ….
— Eu
sei andar de bicicleta. Nunca vi você numa bicicleta.
Abdourahman A. Waberi, in Por que você dança quando anda?
Nenhum comentário:
Postar um comentário