Ela
estava vestida de uniforme listrado de empregada, mas falava como
dona de casa. Viu-me subir as escadas cheia de embrulhos e parando
para sentar nos degraus – os dois elevadores estavam enguiçados.
Ela morava no quinto andar, eu no sétimo. Subiu comigo segurando
alguns de meus embrulhos numa das mãos, e na outra o leite que
comprara. Quando chegou ao quinto andar, botou o leite em casa dela
entrando pela porta de serviço, depois fez questão de segurar meus
embrulhos e de subir comigo até o sétimo.
Que
mistério era esse: falava como dona de casa, seu rosto era o de dona
de casa, e no entanto estava uniformizada. Sabia do incêndio que eu
sofrera, imaginava a dor que eu sentira, e disse: mais vale a pena
sentir dor do que não sentir nada.
– Tem
pessoas – acrescentou – que nunca ficam nem deprimidas, e não
sabem o que perdem.
Explicou-me,
logo a mim, que a depressão ensina muito.
E
– juro – acrescentou o seguinte: “A vida tem que ter um
aguilhão, senão a pessoa não vive.” E ela usou a palavra
aguilhão, de que eu gosto.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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