Bella
Lynn era minha prima e provavelmente a moça mais bonita do oeste do
Texas. Tinha sido condutora da banda da El Paso High School e Miss
Sun Bowl em 1946 e 1947. Mais tarde, ela foi para Hollywood para se
tornar uma starlet. Mas não deu certo. A viagem começou mal por
causa do sutiã dela. Não era um sutiã com enchimento tradicional,
mas sim feito para você enchê-lo de ar, como um balão. Dois
balões.
Tio
Tyler, tia Tiny e eu fomos ao aeroporto para vê-la partir. Num DC-6
bimotor. Nenhum de nós jamais tinha andado de avião na vida. Ela
disse que estava uma pilha de nervos, mas não parecia. Estava
simplesmente linda com um suéter de angorá rosa. Seus seios estavam
muito grandes.
Nós
três ficamos olhando para o avião dela, acenando, até ele avançar
bastante rumo a Califórnia e Hollywood e depois desaparecer. Ao que
parece, nessa hora o avião também atingiu uma certa altitude e, por
causa da pressão na cabine, o sutiã de Bella Lynn foi pelos ares.
Quer dizer, explodiu. Felizmente, ninguém em El Paso ficou sabendo
disso. Até para mim ela só contou vinte anos depois. Mas eu não
acredito que tenha sido por isso que ela nunca se tornou uma starlet.
O
jornal de El Paso vivia publicando fotos dela. Uma vez, durante uma
semana, lá estavam elas todo santo dia… quando ela estava saindo
com Rickie Evers. Rickie Evers tinha acabado de se divorciar de uma
atriz de cinema famosa. O pai dele era um proprietário de hotéis
milionário e morava na cobertura do Hotel del Norte em El Paso.
Rickie
Evers veio para a cidade para assistir ao National Golf Open, e Bella
Lynn estava determinada a sair com ele. Fez reservas para o jantar no
Del Norte e disse que era para eu ir com ela, que, com onze anos, eu
já não era tão criança para ter algumas lições de sex appeal.
Eu,
de fato, não sabia nada sobre sex appeal. Sexo parecia ter algo a
ver com ficar maluco. Os gatos agiam de um jeito bem maluco em
relação à coisa toda, e todas as estrelas de cinema pareciam
malucas. Bette Davis e Barbara Stanwyck eram definitivamente
malvadas. Bella Lynn e as amigas se escarrapachavam no Court Café
debaixo de topetes Pompadour e ficavam soltando fumaça pelas narinas
feito dragões enraivecidos.
Elas
estavam todas muito empolgadas com o National Golf Open. “Uma mina
de ouro! Um poço de petróleo bem aqui no nosso quintal!”
Wilma,
a melhor amiga de Bella Lynn, queria ir com a gente para o Hotel Del
Norte, mas Bella Lynn não deixou. Um princípio básico do sex
appeal, ela me disse, é trabalhar sempre sozinha. Não importava se
a outra mulher fosse feia ou bonita… isso simplesmente atrasava e
complicava qualquer operação.
Vesti
o que considerava o vestido mais maravilhoso que eu já tinha visto
na vida. Musselina suíça de bolinhas lilases, com mangas bufantes e
saia-balão. Tia Tiny fez uma trança embutida no meu cabelo. Eu
ainda não usava batom, mas passei um pouco de Merthiolate na boca.
Tia Tiny me fez lavar a boca, mas beliscou minhas bochechas. Bella
Lynn pôs um vestido matador de crepe marrom com ombreiras, uma
maquiagem escura matadora e sapatos pretos de salto alto. Chegamos
cedo ao hotel. Ela se sentou numa poltrona de encosto alto no lobby,
usando óculos escuros. Cruzou as pernas. Meias de seda pretas. Eu
avisei a ela que as costuras estavam tortas, mas ela disse que
costuras levemente tortas tinham sex appeal. Ela me deu uma moeda de
vinte e cinco centavos para que eu fosse comprar um refrigerante, mas
em vez disso eu só fiquei subindo e descendo a escada. Era uma
escada linda, larga e curva, forrada com um tapete de veludo vermelho
e com um corrimão curvo. Eu corria até o alto da escada e ficava
embaixo do lustre, com um sorriso de rainha. Depois, descia bem lenta
e elegantemente até lá embaixo, deslizando a mão de leve pelo
corrimão de mogno. Então, corria de novo até lá em cima. Fiz isso
uma porção de vezes, até que finalmente me pareceu que já devia
estar na hora de comer. Bella Lynn disse que tinha adiado as
reservas, porque Evers ainda não tinha dado as caras. Comprei um
Hershey’s com amêndoas e me sentei a algumas poltronas de
distância. Sussurrando, ela me mandou parar de chutar o assento. Ela
fumava Pall Malls, só que os chamava de Pell Mells.
Reconheci
o famoso Evers e seu pai milionário no instante em que entraram.
Logo depois, eles foram para o salão do restaurante com alguns
outros homens. Todos com chapéus de caubói e botas, salvo Evers,
que estava com um terno risca de giz e sem chapéu. Mas eu teria
percebido que eram eles só pela cara de má que Bella Lynn estava
fazendo, agora de piteira. Ela tirou os óculos escuros e nós
entramos. Bella Lynn disse ao maître que um imprevisto tinha feito o
acompanhante dela se atrasar e que apenas nós duas iríamos jantar.
Eu
queria bife de frango frito, mas ela disse que era muito chinfrim.
Então, pediu medalhão para nós duas. De bebida, um Manhattan para
ela e um Shirley Temple para mim. Só que ela acabou tendo que tomar
um Shirley Temple também, porque só tinha dezoito anos. Ela disse
ao garçom que tinha esquecido de botar a carteira de motorista na
bolsa. Que chato.
Havia
uma garrafa de uísque em cima da mesa dos homens e todos eles, salvo
Rickie Evers, estavam fumando charuto.
“Então,
como é que você vai fazer para conhecer o homem?”, eu perguntei a
ela.
“Eu
te falei. Sex appeal. Assim que o meu olhar cruzar com o dele, eu vou
fazer com que ele venha até aqui e pague os nossos maravilhosos
medalhões pra nós.”
“Até
agora ele ainda não olhou pra cá.”
“Olhou
sim, mas fingiu que não olhou… esse é o sex appeal dele. Mas ele
vai olhar de novo e, quando olhar, eu simplesmente vou olhar para ele
como se ele fosse o cachorro velho mais reles e sarnento que já vi
na minha vida.”
Rickie
Evers, de fato, olhou para ela, e foi exatamente desse jeito que ela
olhou para ele, como se estivesse se perguntando como podiam ter
deixado alguém como ele entrar ali. Dois segundos depois, ele estava
parado atrás da cadeira vazia.
“Posso
me sentar com vocês?”
“Bom,
um imprevisto fez o meu acompanhante se atrasar. Talvez você possa
se sentar com a gente por alguns minutos.”
“O
que vocês estão bebendo?”, ele perguntou.
“Shirley
Temples”, respondi, mas ela disse que estava tomando um Manhattan.
Ele pediu ao garçom que trouxesse um Shirley Temple para mim e
Manhattans para ele e para a senhorita. O garçom não disse nada
sobre a identidade dela.
“Eu
sou Bella Lynn e esta é a minha priminha, Lou. Desculpe, eu não
guardei o seu nome”, ela disse, embora soubesse perfeitamente qual
era o nome dele.
Quando
ele falou o nome, ela disse: “O seu pai e o meu jogam golfe
juntos”.
“Vocês
vão ao torneio de golfe amanhã?”, ele perguntou.
“Eu
ainda não sei. Multidões são tão desagradáveis. Mas a Lou está
louca para ir.”
Eles
acabaram decidindo ir ao torneio de golfe no dia seguinte para que eu
não ficasse decepcionada. Era a última coisa que eu queria fazer,
mas no dia seguinte eles já tinham esquecido quanto eu supostamente
estava louca para ir.
Eles
tomaram seus Manhattans, depois vieram coquetéis de camarão e os
medalhões. Na sobremesa, Baked Alaska, que eu achei sensacional.
Depois
do jantar eles pretendiam rodar as boates de Juárez, motivo das
confabulações, acima do licor de menta, sobre como me levar para
casa. Bella Lynn sugeriu um táxi, mas ele insistiu que eles podiam
me deixar em casa antes de atravessar a fronteira.
Bella
Lynn foi retocar a maquiagem. Eu não fui, ainda não sabia que era
praxe você ir, para avaliar a situação.
Quando
ela se afastou da mesa, Rickie Evers deixou seu isqueiro de ouro cair
no chão e, ao se abaixar para pegá-lo, passou a mão pela minha
perna e acariciou a parte interna do meu joelho.
Pus
uma colherada de Baked Alaska na boca e perguntei como será que eles
faziam aquilo. Ele pegou o isqueiro do chão e disse que meu queixo
estava lambuzado de sorvete. Quando o limpou com o enorme guardanapo
de linho, ele roçou o braço no meu peito. Fiquei constrangida;
ainda não usava nem sutiã de menina-moça.
Bella
Lynn voltou do toalete andando sem pressa, com suas costuras tortas,
fingindo não notar que todos os homens estavam olhando para ela. O
restaurante inteiro tinha ficado olhando para Bella Lynn e Rickie
Evers durante todo o jantar. Acho que o ajudante de garçom mexicano
viu o que Evers fez quando deixou o isqueiro cair.
Sentei
entre Evers e Bella Lynn no enorme Lincoln preto. As janelas subiam e
desciam quando ele apertava um botão, até mesmo as de trás. Havia
um isqueiro no painel, e Evers roçava na minha perna quando se
esticava para alcançá-lo e de novo no meu peito quando acendia os
Pell Mells de Bella Lynn.
Paramos
em frente à garagem.
“Que
tal um beijo de boa-noite, pequena Lou?”, ele perguntou. Bella Lynn
riu. “Ora, ela ainda nem fez quinze anos.” Quando ela estava
saindo do carro, ele mordeu o meu pescoço.
Bella
Lynn entrou comigo para pegar um xale e seu vidrinho de perfume Tabu.
“Viu
como é a coisa do sex appeal que eu te falei, Lou? É moleza!”
Entrei para ouvir Inner Sanctum com tio Tyler e tia Tiny. Eles
ficaram felizes feito crianças com a notícia de que
Bella
Lynn ia sair com o ex-marido da estrela de cinema mais bonita do
mundo.
“Como
será que ela conseguiu isso?”, tio Tyler se perguntou.
“Ué,
Tyler… você sabe que a nossa Bella Lynn é a coisa mais linda que
existe a oeste do Mississippi!”
“Não.
Foi o sex appeal”, eu disse a eles.
Os
dois arregalaram os olhos para mim.
“Olha
aqui, eu nunca mais quero ouvir você usar esse termo, entendeu,
menina?”, disse tia Tiny, com uma cara de dar medo. Ela ficou
igualzinha à Mildred Pierce.
Lucia Berlin, in Manual da faxineira: Contos escolhidos
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