quarta-feira, 2 de março de 2022

Rosa | Pixinguinha e Otávio de Souza, 1937


A valsa de Pixinguinha repousava esquecida na voz de Orlando Silva até Marisa Monte relançá-la em 1991, acompanhada pelo pianista e compositor japonês Ryuichi Sakamoto, em seu segundo álbum solo, Mais.
Uma façanha surpreendente, porque, se a belíssima melodia de Pixinguinha era de construção sofisticada, a enorme letra de Otávio de Souza já soava arcaica quando foi lançada por Orlando Silva em 1937. Tanto na construção rebuscada das frases quanto no abuso de palavras que começavam a cair em desuso, hoje relegadas aos dicionários, como “olor”, “lanceado”, “remir”, “olente”… Mas as literatices inflamadas não impediram o retumbante sucesso na época, em grande parte ajudado por “Carinhoso”, o lado A do 78 rpm lançado pela RCA Victor.
Tu és divina e graciosa / Estátua majestosa do amor / Por Deus esculturada / E formada com ardor / Da alma da mais linda flor / De mais ativo olor / Que na vida é preferida pelo beija-flor.”
Orlando teria conhecido as duas músicas quando participou de uma serenata a convite de Pixinguinha. Era a festa de um casamento em Bangu, e a certo momento da noite o compositor mostrou a letra que João de Barro tinha feito para o choro “Carinhoso” e também a então inédita “Rosa”. Faro apurado, Orlando quis gravar as duas, o que fez numa única sessão, em 28 de maio de 1937, para o disco lançado um mês depois.
Na época da gravação de Orlando Silva, compositores como Noel Rosa, Ary Barroso e Lamartine Babo já tinham incorporado com sucesso a linguagem coloquial das ruas às suas canções, muitas delas usando construções e termos que poderiam ser escritos hoje. Apesar de seu romantismo exacerbado (ou por isso mesmo), “Rosa” bateu fundo no coração do público de Orlando. E refloresceu mais bela ainda cinco décadas depois na voz de Marisa, em gravação intimista, que contou apenas com o piano e os teclados de Sakamoto e a cuíca de Armando Marçal.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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