Ela
prepara armadilhas. Ela volta no tempo para construir becos de
história; ela enreda filamentos. Sua vítima, de quem por sua vez
ela é a vítima, escapa, deixando ora um som, ora um gosto no ar,
nada tão grandioso quanto uma linha presa em um espinho.
Nas
fazendas de servidores fio abaixo, alojadas nos corações de
icebergs remanescentes, ela dá a volta em seu próprio rastro,
vislumbra a sombra, dispara sua pistola de dardos pelas lacunas da
nuvem, fazendo nascer faíscas azuis.
Na
corte de Asoka, uma acrobata, ela escala, pula e gira, vasculhando
uma multidão de mil pessoas em busca de um único predador, um
observador que não deveria estar ali. Ela fareja a sombra e o cheiro
lhe escapa.
Ela
invade as ruínas da muralha de Jericó, e nas ruas densas ouve um
passo sobre pedra, fora de lugar. Ela se vira, prepara, solta. Uma
flecha se crava na pedra.
Red
faz varreduras por uma floresta de cristal pulsando brilhante com
seres humanos cujos corpos físicos foram derretidos, como gordura de
bacon, até a fragrância de suas mentes se expandirem e ocuparem
todo o espaço. A coisa que está procurando, o que está procurando
por ela, não a pega ali, embora Red também não a pegue.
Ela
encontra uma possibilidade significativa perto do leito de um rio e
espera. Não sabe por que acha que a sombra irá lhe visitar ali, mas
sente que está começando a conhecer a coisa, seus hábitos, quando
ela a visita e quando mantém distância. Red semeia o ar com
nanorrobôs, entrelaça serviçais na grama; ela prepara drones
espiões e câmeras sentinelas; designa um satélite a seu serviço.
Ela observa o rio, cautelosa, quieta, por sete meses. Ela pisca uma
vez, e quando abre os olhos, sente que o momento passou: a sombra
esteve ali e se foi, e ela não descobriu nada. Nenhuma armadilha foi
acionada, os nanorrobôs falharam em registrar uma presença, as
câmeras foram uma a uma desligadas, e o satélite orbita mudo e
quebrado.
Red
anseia pelas cartas guardadas atrás de seu olho.
Ela
não consegue respirar. Uma enorme mão lhe aperta o peito,
esmagando. Ela se sente presa em sua pele, limitada sob seu crânio.
Sonhos ajudam, e memórias, mas sonhos e memórias não são o
bastante. Ela quer imaginar uma risada. Precisa esperar. Não
consegue esperar.
Bem
longe fio acima, ela se senta sob algo parecido com um salgueiro em
um pântano de dinossauros, segura uma semente de sumagre ente os
dentes e morde.
Red
fica ali parada por algumas horas. A noite cai. O vento farfalha nas
samambaias. Um apatossauro passa, eriçando as penas.
Ela
se deixa sentir. Os órgãos que protegem suas emoções das
respostas físicas param de funcionar, e tudo que ela mantinha
escondido se liberta. Seu coração se aperta. Ela ofega, e se sente
tão sozinha.
Uma
mão pousa em seu ombro.
Red
agarra o pulso da sombra.
A
sombra a empurra e ela, por sua vez, empurra a sombra. Elas rolam na
vegetação rasteira; se chocam contra um enorme tronco de cogumelo.
Pequenos lagartos escapolem. A sombra está de pé, mas Red enlaça
sua perna nas dela, derrubando-a. Ela tenta uma chave de perna, mas
suas próprias pernas são travadas. Ela se liberta, dá três,
quatro socos, todos facilmente bloqueados. Implantes queimam. Asas se
abrem de suas costas para liberar o calor residual; ela bate forte.
Acerta a sombra nas costelas, mas aqueles ossos não quebram. A
sombra flutua atrás dela, toca seu ombro, e seu braço fica mole.
Red joga seu peso para trás, agarra o braço da sombra enquanto cai.
Elas escorregam juntas na lama. Os dedos de Red viram garras. Ela
tenta encontrar a garganta. Encontra. Aperta.
E
de algum modo a sombra se solta e a deixa caída, resfolegando
furiosa, sozinha na lama.
Ela
amaldiçoa as estrelas e assiste à noite jurássica.
Red
não aguenta mais esperar.
Ela
se levanta, cambaleia até um rio, lava as mãos. Tira o olho
esquerdo com seu polegar e tateia a órbita até encontrar as três
sementes de sumagre. (A que comeu antes era falsa.)
Foda-se
a segurança. Foda-se a sombra.
Red
sabe o que é fome agora.
Ela
come a primeira semente sob a copa das árvores.
Ela
engasga. Se encolhe. Não consegue respirar. Seu coração se parte e
ela desmorona.
Os
órgãos, ela se lembra, estão desligados. Essa dor é nova.
Ela
não os religa antes de comer a segunda semente.
No
pântano, grandes bestas ecoam seus gemidos. Ela não é mais uma
pessoa. Ela é um sapo; ela é um coelho na mão do caçador; ela é
um peixe. Ela é, brevemente, Blue, sozinha com Red, e juntas.
Ela
come a terceira carta.
O
silêncio clama o pântano.
O
gosto residual ferroa sua língua e a preenche. Ela chora, e ri entre
as lágrimas, e se deixa cair. Podem encontrá-la, matá-la, ali. Ela
não se importa.
Entre
os dinossauros, Red dorme.
A
Rastreadora, enlameada, surrada, cortada, a encontra adormecida, toca
suas lágrimas com uma mão sem luva, e as prova antes de ir.
Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo
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