Certos
distúrbios orgânicos do sistema nervoso central são caracterizados
por remissões periódicas, pela aparente recuperação completa dos
nervos afetados. Parece que é isso que acontece: à medida que a
camada que reveste um nervo inflama e endurece como tecido
cicatrizado, bloqueando a passagem dos impulsos neurais, o sistema
nervoso muda aos poucos o circuito dele e busca outros nervos não
afetados para carregar a mesma mensagem. Durante os anos em que achei
necessário revisar meu circuito mental, descobri que não estava
mais interessada em saber se a mulher no beiral da janela do décimo
sexto andar pulou ou não pulou, nem em saber por quê. Só estava
interessada na imagem dela na mente: o cabelo incandescente sob os
holofotes, os dedos curvados na pedra do beiral.
Sob
essa luz, toda narrativa era sentimental. Sob essa luz, todas as
conexões eram tão significativas quanto sem sentido. Veja só: na
manhã da morte de John Kennedy, em 1963, eu estava na Ransohoff’s
comprando um vestido de seda curto para me casar. Alguns anos depois,
esse vestido foi arruinado quando, em um jantar em Bel-Air, Roman
Polanski derramou uma taça de vinho tinto nele por acidente. Sharon
Tate também era uma convidada do jantar, embora Polanski e ela ainda
não tivessem se casado. Em 27 julho de 1970, fui à Magnin-Hi Shop
no terceiro andar da I. Magnin, em Beverly Hills, e escolhi, a pedido
de Linda Kasabian, o vestido com o qual ela deu início ao testemunho
sobre os assassinatos na casa de Sharon Tate Polanski em Cielo Drive.
“Tamanho
40 pequeno”, foi o que ela pediu. “Curto, mas não curto demais.
Se possível, de veludo. Verde-esmeralda ou dourado. Ou um vestido
estilo camponesa mexicana, franzido ou bordado.” Ela precisava de
um vestido naquela manhã porque Vincent Bugliosi, o promotor
público, manifestara dúvidas em relação ao vestido que ela
planejava usar, um tubinho longo e branco simples.
“Longo
é para a noite”, ele aconselhara Linda. Longo era para a noite e
branco para as noivas. No próprio casamento, em 1965, Linda Kasabian
usara um traje de brocado branco. Os tempos passaram, os tempos
mudaram. Tudo nos ensinava alguma coisa. Às 11h20 daquela manhã de
julho de 1970, entreguei o vestido no qual ela ia testemunhar para
Gary Fleischman, que estava esperando na frente do escritório dele
em Rodeo Drive em Beverly Hills. Ele usava o chapéu pork pie e
estava parado ao lado do segundo marido de Linda, Bob Kasabian, e do
amigo deles, Charlie Melton, ambos usando túnicas brancas longas.
Longo era para Bob e Charlie, o vestido na caixa da I. Magnin era
para Linda. Os três pegaram a caixa da I. Magnin e entraram no
Cadillac conversível com a capota abaixada de Gary Fleischman.
Partiram em direção à autoestrada no centro da cidade, acenando
para mim. Acredito que essa seja uma autêntica cadeia de
correspondências sem sentido, mas na manhã tilintante daquele
verão, aquilo fez tanto sentido quanto qualquer outra coisa.
Joan Didion, in O álbum branco
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