domingo, 27 de março de 2022

Nós

— “Nunca se olhe num espelho!”, seria uma redundância — me dizem nossos amigos. — Você estará olhando para Eduardo, que é igual a você, para se pentear ou dar o nó na gravata.
Dizem que nos parecemos como duas gotas de água, mas conheço tanto as diferenças que há entre nós como a que há entre minha mão esquerda e minha mão direita, ou entre meu olho direito e meu olho esquerdo. Modéstia à parte, meu rosto, de perfil, é mais bem-acabado que o de Eduardo; quando rimos, a covinha das bochechas, que tanto sucesso faz, é mais acentuada em mim; por isso as meninas me olham tanto: contudo, nunca tentei me apaixonar por outras mulheres que não fossem aquelas por quem meu irmão se apaixonava. Por vezes pensei que era bom ser um pouco independente, confesso, mas não levei isso adiante. Sou feliz: para que procurar pelo em ovo? Somos de uma família abastada e distinta. Pelas manhãs, tomamos um café para lá de farto, que até o rei da Inglaterra invejaria. Dedicamo-nos a alguns esportes: lançamento de dardo, natação, golfe. Pelas tardes nos ocupamos com nossa tarefa habitual, que tanta satisfação nos dá. Acho que não sabemos o que é estar triste ou deprimido. Nos bastaria abrir o guarda-roupa e contemplar nossos sapatos lustrosos como espelhos para apagar qualquer preocupação. A governanta que temos é um doce; ela deixa nossa vida ainda mais feliz. (Governanta, ama de leite, dona de casa. Essas mulheres exemplares sempre nos fascinaram.) Um dia nos apaixonamos por ela, porque estava sempre por perto, mas logo tivemos uma tremenda desilusão: seus dentes, que nos pareciam um colar de pérolas, eram postiços; nós os vimos dentro de um copo d’água, em seu quarto. Seus pés, nos quais tropeçávamos, tinham um dedo encavalado. Suas refeições pela manhã eram natas sobre um pedaço de pão e alho picado.
Seria melhor pensar em outra coisa — eu disse a Eduardo, que imediatamente me compreendeu.
Pobre Bernarda! Quantas ilusões criou conosco. Mas não quero pensar nas desventuras alheias! Para ela, sempre seremos os garotos mimados, os diabinhos, os bonitões despreocupados.
Quando nos apaixonamos por Leticia, pensamos que o mundo ia mudar. A felicidade é ambiciosa: queríamos mais e mais. Conhecemos Leticia no Clube Náutico de San Isidro. Foi Eduardo quem a conquistou com não sei que ardis. Eu fiquei todo aceso, mas ela não queria saber de nada comigo.
Por que você usa sempre o plural? — ela me disse.
Isso a incomoda? — perguntei.
O meu namorado é o Eduardo, você não entende? — me respondeu.
Afastei-me, desolado.
Ela às vezes me confundia com Eduardo, quando me encontrava na rua, e me cumprimentava efusivamente, ou ao telefone, quando ligava para casa para falar com ele e me dizia frases amorosas, que eu adorava. Quando Eduardo se casou, fingi uma viagem de alguns meses para a Patagônia, lugar ideal para um misantropo.
Fiquei incógnito em um hotel de Buenos Aires, sonhando que estava em viagem pela Europa. Eduardo vinha me visitar pelas tardes, com os bolsos cheios de tabletes de chocolate suíço. Do hotel, ele telefonava para sua mulher e me passava o fone para que eu finalizasse a conversa; eu fazia isso de boa vontade, afinal, Leticia me dizia palavras flamejantes com uma voz não menos flamejante. Como nos divertíamos!
No bairro onde Eduardo vivia aconteciam então frequentes cortes de luz, previamente anunciados nos jornais. Essa circunstância facilitaria as coisas. Eduardo, com muitos eufemismos, me deu a ideia:
Por que não passa a noite com Leticia? Eu substituo você antes das sete da manhã.
Ele me deu as chaves. Com o coração na boca, aceitei e fui ao apartamento que fica na Calle Junín. Estava combinado que eu chegaria à meia-noite, hora em que Eduardo tinha que voltar de um jantar só de homens, no Hotel Alvear. Tomei uns comprimidos para os nervos e cheguei ao apartamento depois de me demorar no elevador mais do que necessário. Abri a porta com tranquilidade, escutei passos descalços no carpete. Leticia se jogou em meus braços. Eduardo tinha me dito:
Você tem que fingir que sou eu. Chame-a de minha ovelhinha.
Para mim não era difícil imaginar que eu era Eduardo, pois na infância tinha feito muitas vezes brincadeira parecida; mas chamá-la de Ovelhinha, isso eu não podia. Levantei-a em meus braços e a levei para a cama. Do resto, quase não me lembro. A emoção sexual é uma espécie de hipnótico, me rouba a memória. Quando Eduardo chegou para me substituir, eu estava dormindo profundamente. Com muito cuidado, ele teve que se aproximar da cama e me acordar, antes que Leticia despertasse. Voltei várias vezes, em circunstâncias semelhantes, para dormir nos braços de Leticia. A vida se tornou agradável, mas não livre de perigos e de variações.
Duas pessoas juntas se atrevem a fazer qualquer coisa: Eduardo e eu temos uma força maior que a média das pessoas. Que outros irmãos gêmeos teriam ousado coisa parecida?
Bem se diz que o amor é cego. Começava o outono. Durante uma semana, Leticia conviveu comigo acreditando que eu era Eduardo. Eu mesmo cheguei a achar que era Eduardo, de tanto que o imitava. Mas um evento desagradável quebrou o encanto. Leticia ouviu comentários maldosos de pessoas que tinham visto Eduardo na hora em que ela estava em meus braços. Ela começou a calcular possíveis desdobramentos, imaginar situações mágicas que permitiam que simultaneamente estivesse nos braços de Eduardo enquanto Eduardo estava em outros lugares. Alguém, talvez por pura maldade, tirou uma fotografia de Eduardo, sem que ele percebesse, em uma casa onde se jogava pôquer. A foto tinha a data e o endereço no verso e a pessoa a enviou para Leticia.
Leticia começou a refletir com frieza enquanto eu a abraçava. Confidenciou-me suas apreensões. Eu a tranquilizei. Minha vida já não era uma vida! Numa manhã, achei que Leticia estava dormindo, como sempre estivera à hora que Eduardo chegava para me substituir. Levantei-me furtivamente assim que ouvi entrar Eduardo, que se assomou à porta. Nosso sangue gelou! Como uma assombração, Leticia se levantou da cama. Tanta tranquilidade não era humana. Foi até o telefone e falou com uma tapeçaria para que fossem colocar os tapetes. Pensei que ia matar um de nós dois ou nos denunciar. Certamente a vergonha a impediu de fazê-lo. Tentou de todas as formas que Eduardo partisse para cima de mim.
Fizemos nossas malas, e Eduardo e eu fomos embora daquela casa onde a vida já nos parecia tediosa, para não dizer insuportável.

Silvina Ocampo, in A fúria

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