Era
um almoço de senhoras. Não só a anfitrioa como cada convidada
parecia estar satisfeita por tudo estar saindo bem. Como se houvesse
sempre o perigo de subitamente revelar-se que aquela realidade de
garçons mudos, de flores e de elegância estava um pouco acima delas
– não por condição social, apenas isso: acima delas. Talvez
acima do fato de serem simplesmente mulheres e não apenas
senhoras. Se todas tinham direito a esse ambiente, pareciam no
entanto recear o momento da gafe. Gafe é a hora em que certa
realidade se revela.
O
almoço estava bem servido, inteiramente longe da ideia de cozinha:
antes da chegada das convidadas haviam sido retirados todos os
andaimes.
O
que não impediu que cada uma tivesse que perdoar um pequeno detalhe,
a bem dessa entidade: o almoço. O detalhe a perdoar de certa senhora
é que o garçom, cada vez que servia a sua vizinha, tocava
ligeiramente no seu penteado, o que lhe dava um desses sobressaltos
que pressagiam catástrofe. Havia dois garçons. O que servia esta
senhora ficou-lhe invisível o tempo todo. E não se acredita que ele
tivesse visto o rosto dessa senhora. Sem a possibilidade de se
conhecerem jamais, suas relações se estabeleciam através de
periódicos toques no penteado. E ele sentia. Através do penteado
sentia-se aos poucos odiado e ele mesmo começou a sentir cólera.
Supõe-se
que cada conviva teve sua pequena veia de sangue no meio do grande
almoço. Cada uma deve ter tido, por um momento ao menos, esse aviso
urgente e pungente de um penteado que pode desabar – precipitando o
almoço em desastre.
A
anfitrioa usava de uma ligeira autoridade que não lhe ficava mal. Às
vezes, porém, esquecia que a observavam e tomava expressões um
pouco surpreendentes. Como seja, um ar de cansaço excitado e de
decepção. Ou então como em certo momento – que pensamento vago e
angustiado passou-lhe pela cabeça? – olhou inteiramente ausente a
vizinha da direita que lhe falava. A vizinha lhe disse: “A paisagem
lá é soberba!” E a anfitrioa, com um tom de ânsia, sonho e
doçura, respondeu pressurosa:
– Pois
é... é mesmo... não é?
Quem
dentre todas aproveitou melhor foi a senhora X, convidada de honra
que, sempre convidadíssima por todos, já reduzira o almoço a
apenas almoçar. Entre gestos delicados e grande tranquilidade,
devorou com prazer o cardápio francês – mergulhava a colher na
boca, e depois olhava-a com muita curiosidade, resquícios da
infância.
Mas
em todas as outras convidadas, uma naturalidade fingida. Quem sabe,
se fingissem menos naturalidade ficassem mais naturais. Ninguém
ousaria. Cada uma tinha um pouco de medo de si própria, como se se
achasse capaz das maiores grosserias mal se abandonasse um pouco.
Não: o compromisso fora o de tornar o almoço perfeito.
E
nem havia como se abandonar, a menos que fosse admitido o ocasional
silêncio. O que seria impossível. Mal um assunto vinha por acaso e
natural, era truculentamente que todas lhe caíam em cima,
prolongando-o até às reticências. Como todas o exploravam no mesmo
sentido – pois todas estavam a par das mesmas coisas – e como não
ocorreria uma divergência de opinião, cada assunto era de novo uma
possibilidade de silêncio.
A
senhora Z, grande, sadia, com flores no corpete, 50 anos,
recém-casada. Tinha o riso fácil e emocionado de quem casou tarde.
Todas pareciam em cumplicidade achá-la ridícula. O que aliviava um
pouco a tensão. Mas ela era um pouco claramente ridícula demais,
não devia ser essa a sua chave – se a nossa vizinha do lado nos
desse tempo de procurar qualquer chave que fosse. Não dava tempo:
falava.
O
pior é que uma das convidadas só falava francês. O que fazia com
que a senhora Y estivesse em dificuldades. A desforra vinha quando a
estrangeira dizia uma daquelas frases que, como resposta, podem ser
exatamente repetidas, apenas com uma mudança de entonação. “Il
n’est pas mal”, dizia a estrangeira. Então a senhora Y, segura
de que estaria falando certo, repetia enfim a frase, bem alto, cheia
de espanto e do prazer de quem pensou e descobriu: “Ah, il n’est
pas mal, il n’est pas mal.” Pois, como disse outra convidada
sem ser estrangeira e a propósito de outra coisa: “C’est le
ton qui fait la chanson.”
Quanto
à senhora K, vestida de cinza, estava sempre disposta a ouvir e a
responder.
Sentia-se
bem em ser um pouco apagada. Descobrira que sua melhor arma era a da
discrição e usava-a com certa abundância. “Desse modo de ser que
arranjei ninguém me tira”, diziam seus olhos sorridentes e
maternais. Arranjara mesmo sinais para a sua discrição, como a
história dos espiões que usavam distintivos de espiões. Assim,
vestia-se claramente com roupas chamadas discretas. Suas joias eram
francamente discretas. Aliás, as discretas formam uma corporação.
Elas se reconhecem a um olhar, e, louvando uma a outra, louvam-se ao
mesmo tempo.
A
conversa começou sobre cachorros. A conversa final, na hora do
licor, não se sabe por que tendência ao círculo perfeito, tratou
de cachorros. A doce anfitrioa tinha um cão chamado José. O que
nenhuma da corporação das discretas faria. O cachorro delas se
chamaria Rex, e, ainda assim, em algum momento discreto, elas diriam:
“Foi meu filho quem deu o nome.” Na corporação das discretas
usa-se muito falar dos filhos como de adoráveis tiranos das casas.
“Meu filho acha este meu vestido horrível.” “Minha filha
comprou entradas para o concerto mas acho que não vou, ela vai com o
pai.” De um modo geral uma dama pertencente à corporação das
discretas é convidada por causa de seu marido, homem de altos
negócios, ou de seu falecido pai, provavelmente jurista de nome.
Levantam-se
da mesa. As que dobram ligeiramente o guardanapo antes de se erguer é
porque assim foram ensinadas. As que o deixam negligentemente largado
têm uma teoria sobre deixar guardanapo negligentemente largado.
O
café suaviza um pouco a copiosa e fina refeição, mas o licor
mistura-se aos vinhos anteriores, dando uma vaguidão arfante às
convidadas. Quem fuma, fuma; quem não fuma, não fuma. Todas fumam.
A anfitrioa sorri, sorri, cansada. Todas enfim se despedem. Com o
resto da tarde estragada. Umas voltam para a casa com a tarde
partida. Outras aproveitam o fato de já estarem vestidas para fazer
alguma visita. Só Deus sabe, se não de pêsames. Terra é terra,
come-se, morre-se.
De
um modo geral o Almoço foi perfeito. Será preciso retribuir em
breve. Não.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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