sábado, 12 de março de 2022

Blue está trançando capim entre os dedos


Parece pura indolência: uma mulher de cabelo comprido ao final do dia, coberta pelo pôr do sol, de pernas cruzadas perto do rio, tramando por prazer. Ela não está fazendo cestos ou redes, nem mesmo coroas ou guirlandas para as crianças que correm descalças por ali.
O que ela faz é estudar. O que ela faz é jogar, em seis dimensões, um jogo de xadrez no qual cada peça é um jogo de Go, tabuleiros inteiros de pedras pretas e brancas dançando um em volta do outro, avançando, cavalos tomando torres, ensaiando ataques, construindo cuidadosamente um xeque-mate. Ela passa capim sobre capim sobre capim e estuda, não só as geometrias do verde, mas o cálculo do perfume e do calor, a termodinâmica do solo, a velocidade do canto dos pássaros.
Enquanto está distraída — trançando capim sob o canto dos quíscalos, o cheiro de folhas mofadas sob o sol em azimute —, uma andorinha dá um rasante em sua visão periférica, interrompe sua trama sonhadora com sua dissonância. A andorinha é um risco azul no canto de seus olhos, a atordoa com sua presença inexplicável. Existem muitas andorinhas, mas essa é diferente: ela se aproxima de um ninho vazio no outono, um ninho que Blue estava quase colhendo para mostrar ao sobrinho e ensiná-lo o quanto se pode aprender a tecer com os pássaros.
Ela se levanta, e o capim cai de sua mão como sementes. Persegue a andorinha, observa enquanto ela deposita uma libélula no ninho e voa para longe.
Ela escala, pega o inseto dos galhos enlameados, pula de volta para o chão. No corpo-agulha da libélula, quadriculado em preto e azul, ela lê uma carta.
Olha da libélula morta para a bagunça que ela causou em seus pensamentos, punhados de verde e ouro amontoados inutilmente, e não sente nada além de uma felicidade confusa e cortante enquanto abre a boca para devorá-la, com asas e tudo.
Anos depois, uma rastreadora faz sombra na grama onde Blue se sentou. Ela junta um punhado, depois se dissolve no ar e some.

Amal El-Mohtar, in Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo

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