O
que molda um chato? É de nascença ou uma deficiência adquirida? É
o ambiente que o faz? É genético? A culpa é das más companhias?
São as desilusões existenciais que transformam um sujeito comum num
chato? O fim das utopias interfere no grau de chatura?
Tem
chato que, de longe, se vê que é um chato. Monoteístas diriam que
Deus olhou para Romário e disse: “Esse é o cara...” Então,
reparou no bebê ao lado e disse: “Esse vai ser chato.” É aquele
para quem os mendigos não pedem esmolas.
Há
três categorias de sujeitos que podemos considerar chatos, também
conhecidos como malas, inconvenientes, maçantes: o chatinho, o chato
para algumas coisas e o insuportável.
Geralmente,
os insuportáveis têm elementos em comum: não mentem. Por serem
sinceros, é que são chatos. Costumam pegar no ponto fraco do
interlocutor. “Como você está gorda”, é uma das formas que
começam uma conversa. Há variações. “Seu canino está sujo.”
“Quanta caspa...” “É duro envelhecer, não?”
Chato
que é chato vive convidando conhecidos para a sua casa. Inventa
muitas atividades para travar amizade. Constrói uma intimidade que
não existe. Afirma que você precisa conhecer os pais, cachorros e
plantas dele. Além disso:
1)
Um chato é sempre insistente na sua chatice. E fala demais.
2)
Ele é uma unanimidade: se é chato para um, o é para todos.
3)
Uma vez chato, sempre chato.
4)
O chato é chato no berçário, na escola e no colegial. Destaca-se
na faculdade.
5)
Ele continua chato no trabalho. Aliás, em toda empresa, é preciso
ter um chato, para descarregarem as tensões. E se o chato muda de
empresa, passará a ser chato no novo trabalho.
6)
O chato sabe de cor os nomes de todos.
7)
Nunca esquece um aniversário.
8)
Usa expressões em outra língua, esforçando-se para falar com o
sotaque correto.
9)
Corrige os erros de português de outros no meio da conversa.
10)
E, agora, na versão on-line, corrige os erros de ortografia no
começo da resposta.
11)
Conhece todas as regras da empresa e o organograma.
12)
Sabe a causa de todos os feriados que estão por vir.
Mas,
no íntimo, chato que é chato detesta Natal, Réveillon e
especialmente o Carnaval, datas em que não entende como podem estar
todos tão felizes, trocar presentes e cumprimentos, se ele não tem
companhia. Eis o paradoxo: o chato é chato porque é triste ou é
triste porque sabe que é chato?
Eu
me encaixo na classificação chato para algumas coisas. Com quantos
travesseiros você dorme? Eu durmo com cinco. E de densidades
diferentes: um duro para a perna direita, um fino para a nuca, outro
mole para ficar ao lado da orelha, outro enrolado no calcanhar
esquerdo, e um mediano para ficar de stand-by, caso algum caia da
cama. Sim, o chato para algumas coisas é um cara prevenido.
Talvez
eu seja o único sujeito do bairro que tem vontade de metralhar todos
os pássaros que cantam ao amanhecer. Especialmente a sabiá insone e
gorda como uma galinha que começa a cantar às 2h.
Em
literatura, muita coisa me irrita. Quando abro um livro, e o sujeito
começa “fui envolto pela sensação de...”, não termino a frase
e o jogo no lixo.
Sou
tão chato que livro com mais de 500 páginas raramente leio.
Considero o autor excessivamente narcisista, por achar que sua
história merece tanto papel. Livro de menos de 100 páginas também
não leio. Considero o escritor negligente e preguiçoso. Orelha de
livro? Não leio. Prefácio? Pulo. Epígrafe? Detesto. Contracapa?
Evito.
Quando
um autor iniciante tem a “brilhante ideia” de me convidar para
escrever o prefácio ou a orelha do seu livro, eu penso nas desculpas
mais esfarrapadas, mas, na hora agá, não me contenho e pergunto:
“Você acha que eu não tenho mais o que fazer? Acha que eu fico
ligando para escritores, para pedir para parar o que estão fazendo
para escrever elogios sobre a minha literatura? Algum livro meu tem
prefácio? E alguém lê prefácio? Você lê? E orelha?”
Sou
tão chato que, se o envelope da correspondência que recebo for
muito bem lacrado, fico com preguiça de abrir e jogo fora. Se o
elevador demora para chegar, dou meia-volta e desisto. E se a avenida
estiver congestionada, volto para casa.
Se
vou de metrô, e o trem não para de forma que a porta fique à minha
frente, não entro. Se há alguém no lugar exclusivo de deficientes,
olho com cara feia. Se alguém na plataforma tentar entrar no carro
antes de eu sair, atropelo. E se alguém ficar me olhando muito, sou
capaz de dizer: “Está olhando o quê?”
Sou
tão chato, que já usei a expressão “cara feia pra mim é fome”.
Pessoas
que o chato detesta, pela ordem de detestação:
1)
Todos os protagonistas de comercial de cerveja. Até os figurantes,
com caras alegres, em praias paradisíacas. Um chato inveja pessoas
felizes.
2)
Todos os cantores que cantam em dupla. Um chato inveja pessoas que
têm parceiros.
3)
Apresentadores de tevê casados que apresentam o mesmo telejornal. Um
chato não conseguiria trabalhar com a mulher.
4)
Atores de tevê casados que protagonizam o mesmo filme ou novela. Sem
comentários.
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na Escola
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