– Escrever
melhora a angústia de viver?
– Sim,
naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é
celestial. Senão é infernal.
– Quem
é Deus?
– Todos
algumas vezes. Nada, sempre.
– Como
é que você descreve um ser humano o mais completo possível?
– Político,
poético. Físico.
– Como
é uma mulher bonita para você?
– Feita
de muitas mulheres.
– Escreva
aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento.
– Estou
escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?
– Em
que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?
– Acredite-me
tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi em um poema:
Se
tivesse que nascer mil vezes Ali quero nascer.
Se
tivesse que morrer mil vezes
Ali
quero morrer...
– Qual
foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever?
– Ler
minha poesia e ser ouvido em lugares desolados: no deserto aos
mineiros do Norte do Chile, no Estreito de Magalhães aos
tosquiadores de ovelha, num galpão com cheiro de lã suja, suor e
solidão.
– Em
você o que precede a criação, é a angústia ou um estado de
graça?
– Não
conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.
– Diga
alguma coisa que me surpreenda.
– 748.
(E
eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números.)
– Você
está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa
poesia?
– Admiro
Drummond, Vinícius e aquele grande poeta católico, claudelino,
Jorge de Lima. Não conheço os mais jovens e só chego a Paulo
Mendes Campos e Geir Campos. O poema que me agrada é o “Defunto”,
de Pedro Nava. Sempre o leio em voz alta aos meus amigos, em todos os
lugares.
– Que
acha da literatura engajada?
– Toda
literatura é engajada.
– Qual
de seus livros você mais gosta?
– O
próximo.
– A
que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o
“vulcão da América Latina”?
– Não
sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.
– Qual
é o seu poema mais recente?
– “Fim
do mundo”. Trata do século XX.
– Como
se processa em você a criação?
– Com
papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.
– A
crítica constrói?
– Para
os outros, não para o criador.
– Você
já fez algum poema de encomenda? Se o fez faça um agora, mesmo que
seja bem curto.
– Muitos.
São os melhores. Este é um poema.
– O
nome Neruda foi casual ou inspirado em Jan Neruda, poeta da liberdade
tcheca?
– Ninguém
conseguiu até agora averiguá-lo.
– Qual
é a coisa mais importante no mundo?
– Tratar
de que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para
algumas.
– O
que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?
– Depende
da hora do dia.
– O
que é amor? Qualquer tipo de amor.
– A
melhor definição seria: o amor é o amor.
– Você
já sofreu muito por amor?
– Estou
disposto a sofrer mais.
– Quanto
tempo gostaria você de ficar no Brasil?
– Um
ano, mas dependo de meus trabalhos.
E
assim terminou uma entrevista com Pablo Neruda. Antes falasse ele
mais. Eu poderia prolongá-la quase que indefinidamente, mesmo
recebendo como resposta uma única seta de resposta. Mas era a
primeira entrevista que ele dava no dia seguinte à sua chegada, e
sei quanto uma entrevista pode ser cansativa. Espontaneamente, deu-me
um livro, Cem
sonetos de amor.
E depois de meu nome, na dedicatória, assinou: “De seu amigo
Pablo.” Eu também sinto que ele poderia se tornar meu amigo, se as
circunstâncias facilitassem. Na contracapa do livro diz: “Um todo
manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor
como uma vocação do homem e a poesia como sua tarefa.”
Eis
um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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