Para
nós, meninos daqueles tempos, duas eram as experiências
inesquecíveis. A primeira delas era fazer o pião rodar pela
primeira vez. Eu olhava os craques, observava como eles faziam, o
jeito de enrolar a fieira, o jeito de segurar o pião, o movimento do
braço para lançá-lo. Tentava fazer do jeito como eles faziam. Mas
não acontecia. O pião não rodava. Até que um dia, por puro
acidente, o pião rodou.
A
segunda é empinar o papagaio. Lembro-me como se fosse hoje. Era uma
manhã limpa e fresca. Eu estava lutando com o meu papagaio, correndo
para cima e para baixo no pastinho à frente da minha casa. Ele
ameaçava subir mas logo descia balançando o rabo. Eu tinha o
papagaio, tinha a linha, mas ainda não havia aprendido a sentir o
vento. Quem leva o papagaio às nuvens não é o menino que o solta.
É o vento. Não é preciso correr. Vindo o vento, é só soltá-lo e
dar linha. Tendo vento, ele vai até as nuvens. O papagaio se tornou
para mim um símbolo de liberdade. Até escrevi um livro para
crianças sobre o papagaio e a liberdade. Para subir às alturas é
preciso que o papagaio tenha alguém que o segure na terra. Sem essa
âncora ele cai.
Agosto
era mês de seca, mês de frio, mês de ipê amarelo, mês de
capim-gordura florido, mês de céu azul, mês de vento, mês de
papagaio. No largo do virador, de tarde, juntavam-se meninos e
grandes com os seus papagaios. De todos os tipos. Em duas dimensões,
os quadrados, losangos, octógonos, com rabo, sem rabo, estrelas. Os
em três dimensões só os adultos sabiam fazer, caixas, aviões. Era
bom olhar pra cima e ver todos aqueles papagaios de cores diferentes
contra o céu azul, conversando uns com os outros. Alguns eram
seguros de si mesmos, voavam tranquilos quase sem se mexer. Outros
eram nervosos, não paravam, e de vez em quando davam cabeçadas. O
Sebinho fazia papagaios enormes, tão grandes que em vez de varetas
ele usava bambus. Subiam com a mesma brisa suave que fazia voar os
pequenos. Em vez de linha 24 ele usava um barbante grosso. A gente
pedia pra segurar o barbante, pra sentir a força. Um navio a vela é
um barco que fez amizade com um papagaio.
Rubem Alves, in O Velho que Acordou Menino
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