Num
mundo cada vez mais regido pela cartilha do politicamente correto, “O
teu cabelo não nega” não teria nascido. Patrulheiros da correção
iriam acusar a letra de racista, principalmente pelo trecho “mas
como a cor não pega”, em que os autores, buscando uma rima de
sentido cômico para “nega”, declaram o incontrolável amor que
sentem por aquela musa multirracial que tem “um sabor bem do
Brasil”. Com ou sem intolerâncias, a marchinha dos Irmãos Valença
e de Lamartine Babo (1904-1963) foi um sucesso espetacular no
carnaval de 1932, como uma ode à beleza e ao charme da mestiça, que
provoca uma guerra entre os portugueses e os marinheiros brasileiros.
“Quando,
meu bem, vieste à Terra / Portugal declarou guerra / A concorrência,
então, foi colossal / Vasco da Gama contra o Batalhão Naval.”
Como
muitas outras clássicas marchinhas, a irresistível “O teu cabelo
não nega” tem um humor ingênuo e direto, que pega de primeira. A
música, no entanto, tem história bem mais complexa. Nasceu a partir
de um frevo, “Mulata”, que tinha animado o carnaval de Recife em
1929 e foi oferecido à gravadora Victor pelos seus autores, os
irmãos pernambucanos Raul (1894-1977) e João Valença (1890-1983).
O então diretor da companhia de discos implicou com a letra e
Lamartine foi convocado para reescrevê-la. O carioca Lalá não só
trocou muitos versos como mexeu na melodia, reforçou a pulsação
rítmica, aumentando seu balanço. Também registrou a canção
apenas em seu nome, com o título “O teu cabelo não nega”. Os
Valença entraram com ação judicial, ganharam a causa e foram
indenizados e adicionados à parceira.
Gravada
pelo cantor e comediante Castro Barbosa, com acompanhamento do Grupo
da Guarda Velha e arranjo e direção musical de Pixinguinha, “O
teu cabelo não nega” foi lançada no carnaval de 1932 e desde
então não para de animar ruas, blocos e salões Brasil afora.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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