segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Gente ansiosa | 3

Um dia antes da véspera de Ano-Novo em uma cidade não muito grande. Um policial e uma corretora de imóveis estão sentados em uma sala de interrogatório na delegacia. O policial mal parece ter vinte anos, mas provavelmente é mais velho, e a corretora de imóveis parece ter mais de quarenta, mas provavelmente é mais jovem. O uniforme do policial é pequeno demais, o casaco da corretora de imóveis, um pouco grande demais.
A corretora de imóveis parece que prefere estar em outro lugar, e, após os últimos quinze minutos de conversa, o policial parece que gostaria que a corretora de imóveis estivesse mesmo em outro lugar. Quando a corretora de imóveis sorri nervosamente e abre a boca para dizer algo, o policial inspira e expira de uma forma que fica difícil saber se está suspirando ou tentando limpar o nariz.
Basta responder à pergunta — ele implora.
A corretora de imóveis assente rapidamente com um gesto de cabeça e deixa escapar:
Tudo nos trinques?
Eu disse, basta responder à pergunta! — o policial repete, com aquela expressão comum em homens adultos que se decepcionaram com a vida em algum momento da infância e nunca mais conseguiram deixar de se sentir assim.
Você me perguntou qual era o nome da minha imobiliária! — a corretora insiste, tamborilando os dedos no tampo da mesa de um jeito que faz o policial sentir vontade de atirar-lhe objetos perfurocortantes.
Não perguntei isso, eu perguntei se foi o criminoso que manteve a senhora como refém junto com...
Chama-se Nos Trinques! Entendeu? Porque quando uma pessoa compra um imóvel, ela quer comprar algo em bom estado, perfeito, não é?
Então, quando atendo o telefone, eu digo: “Olá, você ligou para a Imobiliária Nos Trinques! TUDO NOS TRINQUES?”
Obviamente, a corretora de imóveis acaba de passar por uma experiência traumática, foi ameaçada com uma arma de fogo e feita refém, e esse tipo de coisa pode fazer qualquer um falar baboseiras. O policial tenta ser paciente.
Ele leva os polegares até as sobrancelhas e pressiona com força, como se desejasse que fossem dois botões e que, se os mantivesse pressionados ao mesmo tempo por dez segundos, ele poderia restaurar a vida às configurações de fábrica.
Tuuudo bem… Mas agora preciso fazer algumas perguntas sobre o apartamento e o criminoso — ele diz em tom de lamento.
Também foi um dia difícil para ele. A delegacia é pequena, os recursos são escassos, mas a competência deles supera essas dificuldades. Ele tentou explicar isso por telefone ao chefe do chefe do chefe logo após o drama dos reféns, mas obviamente foi inútil. Eles vão enviar uma equipe investigativa especial de Estocolmo para cuidar de todo o caso. Ao dizer isso, o chefe não colocou ênfase nas palavras “equipe investigativa”, mas em “Estocolmo”, como se vir da capital fosse por si só uma espécie de superpoder. Mais parece uma condição clínica, pensa o policial. Seus polegares ainda pressionam as sobrancelhas, aquela era sua última chance de mostrar aos chefes que ele poderia cuidar do caso sozinho, mas como raios isso pode dar certo se só tivermos testemunhas como esta mulher?
Okaaay! — a corretora de imóveis entoa, como se estivesse pronunciando uma palavra puramente sueca.
O policial olha para suas anotações.
Não é um dia estranho para agendar uma visita a um apartamento? Um dia antes da véspera de Ano-Novo?
A corretora de imóveis balança a cabeça e sorri.
Não há dias ruins para a Imobiliária NOS TRINQUES!
O policial respira fundo, várias vezes.
Tá certo. Vamos em frente: quando a senhora viu o criminoso, qual foi sua primeira reação?
Você não disse que ia perguntar sobre o apartamento primeiro? Você disse “o apartamento e o criminoso”, então pensei que o apartamento seria o primeiro...
Ok! — o policial rosna.
Ok! — a corretora de imóveis gorjeia.
O apartamento, então: a senhora está familiarizada com o layout do imóvel?
Mas é claro, afinal de contas, eu sou a corretora de imóveis! — a corretora de imóveis diz, mas consegue conter-se para não acrescentar “da Imobiliária NOS TRINQUES! TUDO NOS TRINQUES?” ao ver que o policial já está com cara de quem queria que a munição do seu revólver não fosse tão fácil de rastrear.
Poderia descrevê-lo?
A corretora de imóveis se anima.
É um sonho! Estamos falando de uma oportunidade única de adquirir um apartamento exclusivo em uma área tranquila, com fácil acesso ao coração pulsante da cidade grande. Plano aberto! Com janelões que permitem a entrada de muita luz do dia!
O policial a interrompe:
Eu quero saber se tem closets, espaços de armazenamento ocultos, tem algo desse tipo?
Por quê? Você não gosta de apartamentos de plano aberto? Gosta de paredes? Bom, não há nada de errado em gostar de paredes! — a corretora responde de maneira encorajadora, mas com um tom que sugere que, por sua experiência, pessoas que gostam de paredes são o mesmo tipo de pessoas que gostam de outros tipos de barreiras.
Por exemplo, o apartamento tem closets que poderiam…?
Eu mencionei a quantidade de luz do dia?
Mencionou.
Há pesquisas científicas provando que a luz do dia nos faz sentir melhor! Você sabia disso?
O policial parece que realmente não quer ser forçado a pensar naquilo.
Algumas pessoas preferem decidir por si mesmas até que ponto desejam ser felizes.
Podemos ir direto ao assunto?
Okaaay!
Existe algum espaço no apartamento que não esteja assinalado na planta?
Também é um local muito bom para crianças!
O que isso tem a ver com o nosso assunto aqui?
Eu só queria apontar o fato. A localização, sabe. Muito amigável para crianças! Na verdade, bem… apesar de todo esse problema dos reféns hoje.
Tirando isso, é uma área fantástica para crianças! E é claro que você sabe que as crianças adoram viaturas policiais!
A corretora de imóveis gira alegremente o braço no ar e imita o som de uma sirene.
Acho que isso é o som de um caminhão de sorvete — diz o policial.
Mas você entendeu o que eu quis dizer — insiste a corretora de imóveis.
Vou ter que pedir que a senhora limite-se a responder à pergunta.
Desculpe. Qual foi a pergunta mesmo?
Qual é o tamanho exato do apartamento?
A corretora de imóveis sorri, meio confusa.
Você não queria falar do assaltante? Achei que íamos falar do assalto...
O policial trinca os dentes com tanta força que parece estar tentando respirar pelas unhas dos pés.
Claro. Ok. Conte-me sobre o homem. Qual foi sua primeira reação quando ele…
A corretora de imóveis o interrompe, ansiosa:
O assaltante de banco? Sim! O assaltante de banco entrou correndo no apartamento, ficou no meio da sala e apontou uma arma para todos nós! E você sabe por quê?
Não.
Porque era um plano aberto! Caso contrário, o assaltante nunca teria sido capaz de mirar em todos nós ao mesmo tempo!
O policial massageia as sobrancelhas.
Tudo bem, vamos tentar de outra forma: existem bons esconderijos dentro do apartamento?
A corretora pisca tão devagar que parece que acabou de aprender a piscar.
Esconderijos?
O policial inclina a cabeça para trás e fixa o olhar no teto. Sua mãe sempre dizia que os policiais são apenas meninos que nunca se deram ao trabalho de procurar um novo sonho. Todos os meninos ouvem a mesma pergunta, “O que você quer ser quando crescer?”, e em algum momento quase todos respondem, “Policial!”, mas a maioria deles amadurece e encontra coisa melhor. Por um instante, ele se vê desejando ter feito isso também, porque assim seus dias poderiam ter sido menos complicados, e possivelmente também seu relacionamento com a família. Vale ressaltar que sua mãe sempre teve orgulho dele, ela nunca manifestou nenhum desapreço pela carreira que ele escolheu. A mãe era uma pastora da igreja, outro trabalho que é mais do que apenas uma forma de ganhar a vida, então ela entendeu. Foi seu pai que nunca quis ver o filho de uniforme. Essa decepção ainda pode estar pesando nos ombros do jovem policial, porque ele parece exausto quando volta a fixar o olhar na corretora de imóveis.
Sim. É isso que estou tentando explicar à senhora: acreditamos que o criminoso ainda esteja no apartamento.

Fredrik Backman, in Gente ansiosa

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