Um dia antes da véspera de Ano-Novo em
uma cidade não muito grande. Um policial e uma corretora de imóveis
estão sentados em uma sala de interrogatório na delegacia. O
policial mal parece ter vinte anos, mas provavelmente é mais velho,
e a corretora de imóveis parece ter mais de quarenta, mas
provavelmente é mais jovem. O uniforme do policial é pequeno
demais, o casaco da corretora de imóveis, um pouco grande demais.
A corretora de imóveis parece que
prefere estar em outro lugar, e, após os últimos quinze minutos de
conversa, o policial parece que gostaria que a corretora de imóveis
estivesse mesmo em outro lugar. Quando a corretora de imóveis sorri
nervosamente e abre a boca para dizer algo, o policial inspira e
expira de uma forma que fica difícil saber se está suspirando ou
tentando limpar o nariz.
— Basta responder à pergunta — ele
implora.
A corretora de imóveis assente
rapidamente com um gesto de cabeça e deixa escapar:
— Tudo nos trinques?
— Eu disse, basta responder à
pergunta! — o policial repete, com aquela expressão comum em
homens adultos que se decepcionaram com a vida em algum momento da
infância e nunca mais conseguiram deixar de se sentir assim.
— Você me perguntou qual era o nome da
minha imobiliária! — a corretora insiste, tamborilando os dedos no
tampo da mesa de um jeito que faz o policial sentir vontade de
atirar-lhe objetos perfurocortantes.
— Não perguntei isso, eu perguntei se
foi o criminoso que manteve a senhora como refém junto
com...
— Chama-se Nos Trinques!
Entendeu? Porque quando uma pessoa compra um imóvel, ela quer
comprar algo em bom estado, perfeito, não é?
Então, quando atendo o telefone, eu
digo: “Olá, você ligou para a Imobiliária Nos Trinques! TUDO NOS
TRINQUES?”
Obviamente, a corretora de imóveis acaba
de passar por uma experiência traumática, foi ameaçada com uma
arma de fogo e feita refém, e esse tipo de coisa pode fazer qualquer
um falar baboseiras. O policial tenta ser paciente.
Ele leva os polegares até as
sobrancelhas e pressiona com força, como se desejasse que fossem
dois botões e que, se os mantivesse pressionados ao mesmo tempo por
dez segundos, ele poderia restaurar a vida às configurações de
fábrica.
— Tuuudo bem… Mas agora preciso fazer
algumas perguntas sobre o apartamento e o criminoso — ele diz em
tom de lamento.
Também foi um dia difícil para ele. A
delegacia é pequena, os recursos são escassos, mas a competência
deles supera essas dificuldades. Ele tentou explicar isso por
telefone ao chefe do chefe do chefe logo após o drama dos reféns,
mas obviamente foi inútil. Eles vão enviar uma equipe investigativa
especial de Estocolmo para cuidar de todo o caso. Ao dizer isso, o
chefe não colocou ênfase nas palavras “equipe investigativa”,
mas em “Estocolmo”, como se vir da capital fosse por si só uma
espécie de superpoder. Mais parece uma condição clínica, pensa o
policial. Seus polegares ainda pressionam as sobrancelhas, aquela era
sua última chance de mostrar aos chefes que ele poderia cuidar do
caso sozinho, mas como raios isso pode dar certo se só tivermos
testemunhas como esta mulher?
— Okaaay! — a corretora de imóveis
entoa, como se estivesse pronunciando uma palavra puramente sueca.
O policial olha para suas anotações.
— Não é um dia estranho para agendar
uma visita a um apartamento? Um dia antes da véspera de Ano-Novo?
A corretora de imóveis balança a cabeça
e sorri.
— Não há dias ruins para a
Imobiliária NOS TRINQUES!
O policial respira fundo, várias vezes.
— Tá certo. Vamos em frente: quando a
senhora viu o criminoso, qual foi sua primeira reação?
— Você não disse que ia perguntar
sobre o apartamento primeiro? Você disse “o apartamento e o
criminoso”, então pensei que o apartamento seria o primeiro...
— Ok! — o policial rosna.
— Ok! — a corretora de imóveis
gorjeia.
— O apartamento, então: a
senhora está familiarizada com o layout do imóvel?
— Mas é claro, afinal de contas, eu
sou a corretora de imóveis! — a corretora de imóveis diz, mas
consegue conter-se para não acrescentar “da Imobiliária NOS
TRINQUES! TUDO NOS TRINQUES?” ao ver que o policial já está com
cara de quem queria que a munição do seu revólver não fosse tão
fácil de rastrear.
— Poderia descrevê-lo?
A corretora de imóveis se anima.
— É um sonho! Estamos falando de uma
oportunidade única de adquirir um apartamento exclusivo em uma área
tranquila, com fácil acesso ao coração pulsante da cidade grande.
Plano aberto! Com janelões que permitem a entrada de muita luz do
dia!
O policial a interrompe:
— Eu quero saber se tem closets,
espaços de armazenamento ocultos, tem algo desse tipo?
— Por quê? Você não gosta de
apartamentos de plano aberto? Gosta de paredes? Bom, não há nada de
errado em gostar de paredes! — a corretora responde de maneira
encorajadora, mas com um tom que sugere que, por sua experiência,
pessoas que gostam de paredes são o mesmo tipo de pessoas que gostam
de outros tipos de barreiras.
— Por exemplo, o apartamento tem
closets que poderiam…?
— Eu mencionei a quantidade de luz do
dia?
— Mencionou.
— Há pesquisas científicas provando
que a luz do dia nos faz sentir melhor! Você sabia disso?
O policial parece que realmente não quer
ser forçado a pensar naquilo.
Algumas pessoas preferem decidir por si
mesmas até que ponto desejam ser felizes.
— Podemos ir direto ao assunto?
— Okaaay!
— Existe algum espaço no apartamento
que não esteja assinalado na planta?
— Também é um local muito bom para
crianças!
— O que isso tem a ver com o nosso
assunto aqui?
— Eu só queria apontar o fato. A
localização, sabe. Muito amigável para crianças! Na verdade, bem…
apesar de todo esse problema dos reféns hoje.
Tirando isso, é uma área fantástica
para crianças! E é claro que você sabe que as crianças adoram
viaturas policiais!
A corretora de imóveis gira alegremente
o braço no ar e imita o som de uma sirene.
— Acho que isso é o som de um caminhão
de sorvete — diz o policial.
— Mas você entendeu o que eu quis
dizer — insiste a corretora de imóveis.
— Vou ter que pedir que a senhora
limite-se a responder à pergunta.
— Desculpe. Qual foi a pergunta mesmo?
— Qual é o tamanho exato do
apartamento?
A corretora de imóveis sorri, meio
confusa.
— Você não queria falar do
assaltante? Achei que íamos falar do assalto...
O policial trinca os dentes com tanta
força que parece estar tentando respirar pelas unhas dos pés.
— Claro. Ok. Conte-me sobre o homem.
Qual foi sua primeira reação quando ele…
A corretora de imóveis o interrompe,
ansiosa:
— O assaltante de banco? Sim! O
assaltante de banco entrou correndo no apartamento, ficou no meio da
sala e apontou uma arma para todos nós! E você sabe por quê?
— Não.
— Porque era um plano aberto! Caso
contrário, o assaltante nunca teria sido capaz de mirar em todos nós
ao mesmo tempo!
O policial massageia as sobrancelhas.
— Tudo bem, vamos tentar de outra
forma: existem bons esconderijos dentro do apartamento?
A corretora pisca tão devagar que parece
que acabou de aprender a piscar.
— Esconderijos?
O policial inclina a cabeça para trás e
fixa o olhar no teto. Sua mãe sempre dizia que os policiais são
apenas meninos que nunca se deram ao trabalho de procurar um novo
sonho. Todos os meninos ouvem a mesma pergunta, “O que você quer
ser quando crescer?”, e em algum momento quase todos respondem,
“Policial!”, mas a maioria deles amadurece e encontra coisa
melhor. Por um instante, ele se vê desejando ter feito isso também,
porque assim seus dias poderiam ter sido menos complicados, e
possivelmente também seu relacionamento com a família. Vale
ressaltar que sua mãe sempre teve orgulho dele, ela nunca manifestou
nenhum desapreço pela carreira que ele escolheu. A mãe era uma
pastora da igreja, outro trabalho que é mais do que apenas uma forma
de ganhar a vida, então ela entendeu. Foi seu pai que nunca quis ver
o filho de uniforme. Essa decepção ainda pode estar pesando nos
ombros do jovem policial, porque ele parece exausto quando volta a
fixar o olhar na corretora de imóveis.
— Sim. É isso que estou tentando
explicar à senhora: acreditamos que o criminoso ainda esteja no
apartamento.
Fredrik Backman, in Gente ansiosa
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