domingo, 26 de dezembro de 2021

Tia, você é tão bonita

(No escuro do quarto, hora de dormir.)
Tia.
Oi.
Eu acho você tão bonita.
Ô, princesa. Que gostoso ouvir isso. Eu também acho você linda.
(Risadinha simpática – daquelas que não se espera que criança de nove anos saiba dar. Alguns segundos de silêncio.)
E mesmo assim você não arranja um namorado, né, tia?
(Pausa longa.)
(Riso forçado.)
– …querida! Eu não estou caçando namorado.
Tá bom. Eu sei. Mas é que você é a única tia que sobrou sem casar.
Ué, eu sou a caçula.
É verdade. Não tinha pensado nisso. Achei que era por causa do seu nariz.
(Pausa.)
Que que meu nariz tem com isso?
Ah, você sabe. Ele é muito… pontudo.
Sim, eu sei que é grande. Mas você achou que eu não casava por isso?
Não. Claro que não. Só achei que ninguém te namorava por isso.
(Risada sincera.)
Não, amor. Pode ficar tranquila. Está tudo bem com meu nariz e meu coração.
Que bom. Porque você é muuuuuito bonita.
(Risada de ego.)
Obrigada, lindinha.
E às vezes muuuuuito chatinha.
(Pausa breve.)
Tipo?
Tipo quando acha que a roupa não pode ter nenhuma sujeirinha.
Isso não é chatice, isso é limpeza!
Por isso que você não tem namorado. Os meninos são sempre meio sujos.
Saquei. É um ponto interessante.
(Suspiro da pequena.)
Ai, tia, você é tão bonita. Mas ainda tem que aprender tanta coisa…
Todos nós temos, gatinha.
Mas, olha, tia, se você nuuuuuunca namorar de novo, eu vou te amar do mesmo jeito.
(Risada de sonora exaustão.)
Que bom, querida, que bom.
Porque essa coisa de precisar casar é do passado. Hoje as meninas são livres. E sabe? Acho que quando eu crescer eu quero ser assim que nem você.
Assim… livre?
Não. Livre, eu já sou. Quero ser assim… linda. Linda e toda erradinha.

Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor

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