— Aristeia, dá um banho rápido nesse
menino, que ele está muito poluído.
A mãe disse para a babá, e a palavra
“sujo” foi proscrita do vocabulário doméstico. Hora de banho é
hora de combater a poluição. Para gente miúda e gente grande. Mas
a poluição volta a galope, e há indivíduos que se queixam até do
próprio banho:
— Esta água está superpoluída, pô!
Na poluição universal, que vai da lagoa
Rodrigo de Freitas ao pote de água filtrada (que gosto, hem?
poluição palatal), o jeito é ir repetindo o verbo, o substantivo,
o adjetivo, o leque de vozes que definem a mácula do ambiente pelos
seres, dos seres pelo ambiente, que se alastra como infinita gota de
óleo pelo mundo e chega ao interior dos corpos e não para aí, pois
invade sub-repticiamente as almas…
— O Mourinha? Aquilo é a poluição em
calça e paletó, só de vê-lo do outro lado da rua me sinto imundo!
Este aqui:
— Não vou mais a cinema. Esses
Pasolinis, esses Antonionis não fazem outra coisa senão poluir a
arte de Murnau.
Um sujeito pergunta a outro:
— Como vai você?
— Poluidamente.
Meu amigo queixa-se das livrarias, antros
de poluição visual, com suas brochuras de capas berrantes, de
desenhos mórbidos, tétricos ou escalafobéticos. Nem se diz mais de
alguém que está muito abatido ou cansado. A pauta é dizer:
— O Caldas? Achei o Caldas meio
poluído, coitado!
Pois a fadiga, a depressão constituem
agentes poluidores. O Pão de Açúcar, esta manhã, está poluído
de nuvens. A chuva poluiu as vidraças, e o faxineiro, que veio
despoluí-las, por sua vez poluiu os tapetes com seus sapatos
poluidérrimos. Bom despoluicionador será quem despoluir os
panejamentos das figuras do monumento a Floriano, poluídas pelos
poluidorizíssimos pombos da Cinelândia.
Na secretaria do grupo de trabalho
incumbido de estudar as causas e os efeitos da poluição no ano
2000, e as normas a serem estabelecidas no Plano Nacional de
Despoluição Gradualista, o chefe da seção de Minipolutos advertiu
a datilógrafa, sem consideração por suas pernas triunfais:
— D. Mafalda, o índice de poluição
dos ofícios batidos pela senhora aumentou 5,2% esta semana!
— Mas, doutor…
— Até manchas de batom, até margarina
cremosa apareceu no papel!
Dona Mafalda desabafa com uma colega:
— Com aquele hálito polipoluído, ele
ainda tem cara e coragem de reclamar da gente!
— Você quer negócio mais polu (já se
usa a fórmula breve, em harmonia com a rapidez de impregnação do
meio pelos poluintes) do que essa música de festival, bicho?
— Polu, mas polu paca é aquele careta
do… (e disse um nome que não vou repetir, para evitar a polluta
pax, de que fala Virgílio, isto é, falava, pois o latim nem
sequer poluído está mais, o latim está morto nas escolas).
E o português, será que o português
está menos poluído? Quem estiver lendo esta crônica já encontrou
a resposta, antes de formular a pergunta. Declaro, em autodefesa, que
nem sou dos que mais o poluem. Colegas fazem muita força nesse
sentido, e cogita-se mesmo de um campeonato ou gincana brasileira de
poluição da língua, onde só espero um (poluído) quinto lugar.
Em suma: a poluição é geral, como
diria Machado de Assis. E diria mesmo, pois não foi ele o autor
daquele verso, referente à vida: “Ama de igual amor o poluto e o
impoluto”?
Carlos Drummond de Andrade, in De Notícias e Não Notícias Faz-se A Crônica
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