segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

O ritual

Enfeitar-se é um ritual tão grave. A fazenda não é um mero tecido, é matéria de coisa. É a esse estofo que com meu corpo eu dou corpo. Ah, como pode um simples pano ganhar tanta vida? Meus cabelos, hoje lavados e secados ao sol do terraço, estão da seda mais antiga. Bonita? Nem um pouco, mas mulher. Meu segredo ignorado por todos e até pelo espelho: mulher. Brincos? Hesito. Não. Quero a orelha apenas delicada e simples – alguma coisa modestamente nua. Hesito mais: riqueza ainda maior seria esconder com os cabelos as orelhas. Mas não resisto: descubro-as, esticando os cabelos para trás. E fica de um feio hierático como o de uma rainha egípcia, com o pescoço alongado e as orelhas incongruentes. Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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