segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Cristo de patins

Era um escritório pequeno no terceiro andar de um velho prédio não muito distante do rinque de patinação. Joe Mason, presidente da Rollerworld Inc., estava sentado atrás da escrivaninha gasta que ele alugou junto com o escritório. Havia inscrições entalhadas na parte de cima e dos dois lados: “Nascido para morrer”. “Alguns homens compram o que leva os outros à forca.” “Sopa de merda.” “Odeio o amor mais do que amo o ódio.”
O vice-presidente, Clifford Underwood, estava sentado na única outra cadeira. Havia um telefone. O escritório cheirava a urina, mas o banheiro estava a quinze metros de distância seguindo o corredor. Havia uma janela que se abria para o beco, uma janela grossa e amarela que permitia a entrada de uma luz turva. Ambos estavam fumando cigarros e esperando.
Que horas você combinou com ele? – perguntou Underwood.
Nove e meia – disse Mason.
Não importa.
Eles esperaram. Mais oito minutos. Cada um acendeu outro cigarro. Bateram à porta.
Entre – disse Mason.
Era Monster Chonjacki, barbudo, dois metros de altura, 180 quilos. Chonjacki fedia. Começou a chover. Podia-se ouvir um caminhão de carga passando por baixo da janela. Eram realmente 24 caminhões de carga carregados indo para o norte. Chonjacki continuava fedendo. Ele era a estrela dos Yellowjackets, um dos melhores patinadores sobre rodas em qualquer lado do Mississippi, 25 metros para qualquer um dos lados.
Sente-se – disse Mason.
Não há cadeira – disse Chonjacki.
Arranja uma pra ele, Cliff.
O vice-presidente lentamente se levantou, assumiu todos os trejeitos de um homem prestes a peidar, mas não peidou, caminhou pela sala e se encostou contra a chuva que açoitava a janela grossa e amarela. Chonjacki colocou ambas as nádegas na cadeira, pegou e acendeu um Pall Mall. Sem filtro, Mason se inclinou por cima de sua escrivaninha.
Você é um filho da puta e um ignorante.
Espere um pouco, cara!
Quer ser herói, não é mesmo, meu garoto? Fica excitado quando as garotinhas com as xerequinhas peladas gritam o seu nome? Gosta da bandeira americana? Gosta de sorvete de baunilha? Continua batendo sua punhetinha, imbecil?
Escute aqui, Mason...
Cale a boca! Trezentos por semana! Estou lhe pagando trezentos por semana! Quando o encontrei naquele bar, você não tinha dinheiro suficiente nem para a próxima bebida... tinha tremedeiras de bêbado e estava vivendo de sopa de cabeça de porco e repolho! Não conseguia nem amarrar os cadarços de um patins! Fiz você do nada, seu merda, do nada, e posso te mandar de volta para o nada de onde veio! No que te diz respeito, eu sou Deus! E sou um deus que não perdoa a porra dos seus pecados!
Mason fechou os dois olhos, se encostou pra trás na cadeira reclinável. Tragou seu cigarro, um pouco de cinza quente caiu em seu lábio inferior, mas ele estava brabo demais para se importar. Apenas deixou que as cinzas o queimassem. Quando as cinzas pararam de queimá-lo, continuou com seus olhos fechados e escutou a chuva. Normalmente ele gostava de ouvir a chuva. Especialmente quando estava dentro de algum lugar e o aluguel estava pago e alguma mulher não o estava deixando louco. Mas hoje a chuva não ajudou. Não apenas sentia o fedor de Chonjacki, mas sentia toda a presença dele. Chonjacki era pior do que diarreia. Chonjacki era pior do que chato. Mason abriu seus olhos, sentou-se ereto e olhou para ele. Cristo, o que um homem tinha que fazer só para continuar vivo.
Baby – ele disse docemente –, você quebrou duas costelas do Sonny Welborn na noite passada. Está me ouvindo?
Escuta... – Chonjacki começou a dizer.
Não foi uma costela. Não, não foi só uma costela. Duas. Duas costelas. Está ouvindo?
Mas...
Escute, cretino! Duas costelas! Está ouvindo? Está me ouvindo?
Estou ouvindo.
Mason apagou seu cigarro, levantou-se da cadeira e caminhou ao redor da cadeira de Chonjacki. Chonjacki até que era bonito. Chonjacki até que era um garoto bonito. Ninguém nunca diria isso de Mason. Mason era velho. Quarenta e nove. Quase careca. Com ombros redondos. Divorciado. Quatro filhos. Dois deles na cadeia. Ainda estava chovendo. Ainda choveria por quase dois dias e três noites. O rio Los Angeles se excitaria e fingiria ser um rio de verdade.
De pé! – disse Mason.
Chonjacki se levantou. Quando o fez, Mason afundou sua esquerda na barriga dele e quando a cabeça de Chonjacki abaixou por causa da pancada, ele a mandou de volta para cima com um golpe de direita. Então se sentiu um pouco melhor. Foi como um copo de Ovomaltine em uma manhã de janeiro fria de lascar. Caminhou pela sala e sentou-se novamente. Dessa vez não acendeu um cigarro. Acendeu seu charuto de quinze centavos. Acendeu seu charuto pós-almoço antes do almoço. Isso dá a medida de quão melhor ele se sentiu. Tensão. Não se pode deixar essa merda crescer. Seu antigo cunhado tinha morrido de uma úlcera hemorrágica. Só porque não sabia como aliviar a tensão.
Chonjacki voltou a se sentar. Mason olhou para ele.
Isso, baby, é um negócio, não um esporte. Não queremos machucar as pessoas, entende o que quero dizer?
Chonjacki apenas continuou sentado lá, escutando a chuva. Imaginou se seu carro iria dar a partida. Sempre tinha problemas para dar a partida em seu carro quando chovia. Tirando isso, era um bom carro.
Estou falando com você, baby, está me ouvindo?
Oh, sim, sim...
Duas costelas quebradas. Duas das costelas de Sonny Welborn quebradas. Ele é o nosso melhor jogador.
Espera! Ele joga para os Vultures. Welborn joga para os Vultures. Como ele pode ser o seu melhor jogador?
Imbecil! Nós somos donos dos Vultures!
Você é dono dos Vultures?
Claro, imbecil. E também dos Angels e dos Coyotes e dos Cannibals e de todos os outros times da liga, são todos nossa propriedade, todos aqueles garotos...
Jesus...
Não, Jesus não. Jesus não tem nada a ver com isso! Mas, espere, você me deu uma ideia, imbecil.
Mason se voltou na direção de Underwood, que ainda estava apoiado contra a chuva.
É algo a se pensar – ele disse.
Hein? – disse Underwood.
Tire sua cabeça do seu pau, Cliff. Pense nisso.
Nisso o quê?
Cristo de patins. Infinitas possibilidades.
É... É... Podíamos arranjar também o demônio.
Isso é bom. Sim, o demônio.
Podíamos até mesmo meter uma cruz na parada.
Cruz? Não, isso é muito cafona.
Mason virou novamente até se pôr de frente para Chonjacki. Chonjacki ainda estava lá. Ele não estava surpreso. Se um macaco estivesse sentado em seu lugar, ele também não se surpreenderia. Mason já tinha visto muita coisa nesse mundo. Mas não era um macaco, era Chonjacki. Ele tinha que falar com Chonjacki. Deveres, deveres... tudo pelo aluguel, um rabo de vez em quando e um funeral decente. Cães tinham pulgas, homens tinham problemas.
Chonjacki – ele disse –, por favor, deixe-me explicar algo a você. Está ouvindo? Você é capaz de ouvir?
Estou ouvindo.
Isso aqui é um negócio. Trabalhamos cinco noites por semana. Estamos na televisão. Sustentamos famílias. Pagamos impostos. Votamos. Os policiais nos dão mais multas do que a qualquer outra pessoa. Temos dores de dentes, insônia, doenças venéreas. Temos que aturar o Natal e o Ano-Novo igual a todas as outras pessoas, você entende?
Sim.
Até mesmo, alguns de nós, ficamos deprimidos às vezes. Somos humanos. Até eu fico deprimido. Às vezes sinto vontade de chorar à noite. Certamente senti vontade de chorar na noite passada, quando você quebrou duas costelas de Welborn...
Ele estava me provocando, sr. Mason!
Chonjacki, Welborn não seria capaz de arrancar um fio de pelo do sovaco esquerdo da sua avó. Ele lê Sócrates, Robert Duncan e W.H. Auden. Ele está na liga há cinco anos e não causou dano físico suficiente para ferir um passarinho...
Ele estava entrando duro em mim, estava me perseguindo, estava gritando...
Oh, Cristo – disse Mason suavemente. Colocou seu o charuto no cinzeiro. – Filho, já falei. Somos uma família, uma grande família. Não machucamos uns aos outros. Temos a melhor audiência de semirretardados entre todos os esportes. Atraímos a maior classe de idiotas vivos, e eles enfiam dinheiro diretamente em nossos bolsos, entende? Conseguimos atrair a nata dos cretinos, roubando-os da luta livre, de Lucille Ball e de George Putnam. Estamos com tudo e não queremos nem maldades, nem violência. Certo, Cliff?
Certo – disse Underwood.
Vamos fazer uma demonstração – disse Mason.
Ok – disse Underwood.
Mason levantou-se de sua escrivaninha e se moveu em direção a Underwood.
Seu filho da puta – ele disse. – Vou matar você. Sua mãe engole seus próprios peidos e tem uma buceta sifilítica.
E sua mãe come merda de gato ensopada – disse Underwood.
Ele se afastou da janela e foi em direção a Mason. Mason deu o primeiro golpe. Underwood inclinou-se para trás contra a escrivaninha.
Mason encaixou uma gravata em seu pescoço com seu braço esquerdo, batendo na parte superior da cabeça de Underwood com seu punho direito e com o antebraço.
As tetas da sua irmã são tão caídas que vão além da bunda e balançam na água quando ela caga – Mason disse a Underwood.
Underwood espichou um braço para trás e jogou Mason por cima de sua cabeça. Mason caiu contra a parede com um estrondo. Então se levantou, caminhou para sua escrivaninha, sentou-se na cadeira giratória, pegou seu charuto e tragou a fumaça. Continuava chovendo. Underwood voltou a se encostar contra a janela.
Quando um homem trabalha cinco noites por semana, não pode se dar ao luxo de se lesionar, compreende, Chonjacki?
Sim, senhor.
Agora olhe, garoto, temos uma regra geral aqui... que é... Está ouvindo?
Sim.
... que é... quando qualquer um na liga lesiona outro jogador, ele está fora do emprego, está fora da liga, na verdade, a notícia se espalha... ele entra na lista negra em todos os outros rinques de patinação na América. Talvez se dê o mesmo na Rússia e na China e na Polônia também. Conseguiu enfiar isso na sua cabeça?
Sim.
Então vamos deixar você se safar dessa vez, porque investimos muito tempo e dinheiro construindo a sua imagem. Você é o Mark Spitz da nossa liga, mas podemos acabar com você, assim como eles podem acabar com ele, se você não fizer exatamente o que mandamos.
Sim, senhor.
Mas isso não quer dizer que você deva diminuir o ritmo. Tem de agir com violência sem ser violento, entende? O truque do espelho, o coelho na cartola, a ilusão tem de ser completa. Eles amam ser enganados. Eles não sabem a verdade, porra, eles nem mesmo querem a verdade, a verdade os torna infelizes. Nós os fazemos felizes. Dirigimos carros novos e mandamos nossos filhos para a faculdade, certo?
Certo.
Ok, dê o fora daqui.
Chonjacki se levantou para sair.
E garoto...
Sim?
Tome um banho de vez em quando.
Quê?
Bem, talvez não seja isso. Você usa papel higiênico suficiente quando limpa a bunda?
Não sei. Quanto é preciso usar?
Sua mãe não lhe ensinou?
Quê?
Continue limpando até não sair mais nada.
Chonjacki ficou ali, em pé, apenas olhando para ele.
Tudo bem, pode ir agora. E, por favor, lembre-se de tudo que lhe falei.
Chonjacki saiu. Underwood caminhou até a cadeira vazia e sentou. Sacou seu charuto de quinze centavos pós-almoço e o acendeu. Os dois homens ficaram sentados ali por cinco minutos sem dizer nada. Então o telefone tocou. Mason atendeu. Ouviu e então disse:
Oh, Tropa Escoteira Sete Meia Três? Quantos? Claro, claro, deixaremos eles entrar pagando meia-entrada. Domingo à noite. Reservaremos uma seção. Claro, claro. Oh, tudo bem...
Desligou.
Underwood não respondeu. Ficaram sentados ouvindo a chuva. A fumaça de seus charutos fazia desenhos interessantes no ar. Ficaram sentados e fumaram e ouviram a chuva e observaram os desenhos no ar. O telefone tocou outra vez e Mason fez uma careta. Underwood levantou de sua cadeira, caminhou até o telefone e o atendeu. Era a vez dele.

Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum

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