Era um escritório pequeno no terceiro
andar de um velho prédio não muito distante do rinque de patinação.
Joe Mason, presidente da Rollerworld Inc., estava sentado atrás da
escrivaninha gasta que ele alugou junto com o escritório. Havia
inscrições entalhadas na parte de cima e dos dois lados: “Nascido
para morrer”. “Alguns homens compram o que leva os outros à
forca.” “Sopa de merda.” “Odeio o amor mais do que amo o
ódio.”
O vice-presidente, Clifford Underwood,
estava sentado na única outra cadeira. Havia um telefone. O
escritório cheirava a urina, mas o banheiro estava a quinze metros
de distância seguindo o corredor. Havia uma janela que se abria para
o beco, uma janela grossa e amarela que permitia a entrada de uma luz
turva. Ambos estavam fumando cigarros e esperando.
– Que horas você combinou com ele? –
perguntou Underwood.
– Nove e meia – disse Mason.
– Não importa.
Eles esperaram. Mais oito minutos. Cada
um acendeu outro cigarro. Bateram à porta.
– Entre – disse Mason.
Era Monster Chonjacki, barbudo, dois
metros de altura, 180 quilos. Chonjacki fedia. Começou a chover.
Podia-se ouvir um caminhão de carga passando por baixo da janela.
Eram realmente 24 caminhões de carga carregados indo para o norte.
Chonjacki continuava fedendo. Ele era a estrela dos Yellowjackets, um
dos melhores patinadores sobre rodas em qualquer lado do Mississippi,
25 metros para qualquer um dos lados.
– Sente-se – disse Mason.
– Não há cadeira – disse Chonjacki.
– Arranja uma pra ele, Cliff.
O vice-presidente lentamente se levantou,
assumiu todos os trejeitos de um homem prestes a peidar, mas não
peidou, caminhou pela sala e se encostou contra a chuva que açoitava
a janela grossa e amarela. Chonjacki colocou ambas as nádegas na
cadeira, pegou e acendeu um Pall Mall. Sem filtro, Mason se inclinou
por cima de sua escrivaninha.
– Você é um filho da puta e um
ignorante.
– Espere um pouco, cara!
– Quer ser herói, não é mesmo, meu
garoto? Fica excitado quando as garotinhas com as xerequinhas peladas
gritam o seu nome? Gosta da bandeira americana? Gosta de sorvete de
baunilha? Continua batendo sua punhetinha, imbecil?
– Escute aqui, Mason...
– Cale a boca! Trezentos por semana!
Estou lhe pagando trezentos por semana! Quando o encontrei naquele
bar, você não tinha dinheiro suficiente nem para a próxima
bebida... tinha tremedeiras de bêbado e estava vivendo de sopa de
cabeça de porco e repolho! Não conseguia nem amarrar os cadarços
de um patins! Fiz você do nada, seu merda, do nada, e posso te
mandar de volta para o nada de onde veio! No que te diz respeito, eu
sou Deus! E sou um deus que não perdoa a porra dos seus pecados!
Mason fechou os dois olhos, se encostou
pra trás na cadeira reclinável. Tragou seu cigarro, um pouco de
cinza quente caiu em seu lábio inferior, mas ele estava brabo demais
para se importar. Apenas deixou que as cinzas o queimassem. Quando as
cinzas pararam de queimá-lo, continuou com seus olhos fechados e
escutou a chuva. Normalmente ele gostava de ouvir a chuva.
Especialmente quando estava dentro de algum lugar e o aluguel estava
pago e alguma mulher não o estava deixando louco. Mas hoje a chuva
não ajudou. Não apenas sentia o fedor de Chonjacki, mas sentia toda
a presença dele. Chonjacki era pior do que diarreia. Chonjacki era
pior do que chato. Mason abriu seus olhos, sentou-se ereto e olhou
para ele. Cristo, o que um homem tinha que fazer só para continuar
vivo.
– Baby – ele disse docemente –,
você quebrou duas costelas do Sonny Welborn na noite passada. Está
me ouvindo?
– Escuta... – Chonjacki começou a
dizer.
– Não foi uma costela. Não, não foi
só uma costela. Duas. Duas costelas. Está ouvindo?
– Mas...
– Escute, cretino! Duas costelas! Está
ouvindo? Está me ouvindo?
– Estou ouvindo.
Mason apagou seu cigarro, levantou-se da
cadeira e caminhou ao redor da cadeira de Chonjacki. Chonjacki até
que era bonito. Chonjacki até que era um garoto bonito. Ninguém
nunca diria isso de Mason. Mason era velho. Quarenta e nove. Quase
careca. Com ombros redondos. Divorciado. Quatro filhos. Dois deles na
cadeia. Ainda estava chovendo. Ainda choveria por quase dois dias e
três noites. O rio Los Angeles se excitaria e fingiria ser um rio de
verdade.
– De pé! – disse Mason.
Chonjacki se levantou. Quando o fez,
Mason afundou sua esquerda na barriga dele e quando a cabeça de
Chonjacki abaixou por causa da pancada, ele a mandou de volta para
cima com um golpe de direita. Então se sentiu um pouco melhor. Foi
como um copo de Ovomaltine em uma manhã de janeiro fria de lascar.
Caminhou pela sala e sentou-se novamente. Dessa vez não acendeu um
cigarro. Acendeu seu charuto de quinze centavos. Acendeu seu charuto
pós-almoço antes do almoço. Isso dá a medida de quão melhor ele
se sentiu. Tensão. Não se pode deixar essa merda crescer. Seu
antigo cunhado tinha morrido de uma úlcera hemorrágica. Só porque
não sabia como aliviar a tensão.
Chonjacki voltou a se sentar. Mason olhou
para ele.
– Isso, baby, é um negócio, não um
esporte. Não queremos machucar as pessoas, entende o que quero
dizer?
Chonjacki apenas continuou sentado lá,
escutando a chuva. Imaginou se seu carro iria dar a partida. Sempre
tinha problemas para dar a partida em seu carro quando chovia.
Tirando isso, era um bom carro.
– Estou falando com você, baby, está
me ouvindo?
– Oh, sim, sim...
– Duas costelas quebradas. Duas das
costelas de Sonny Welborn quebradas. Ele é o nosso melhor jogador.
– Espera! Ele joga para os Vultures.
Welborn joga para os Vultures. Como ele pode ser o seu melhor
jogador?
– Imbecil! Nós somos donos dos
Vultures!
– Você é dono dos Vultures?
– Claro, imbecil. E também dos Angels
e dos Coyotes e dos Cannibals e de todos os outros times da liga, são
todos nossa propriedade, todos aqueles garotos...
– Jesus...
– Não, Jesus não. Jesus não tem nada
a ver com isso! Mas, espere, você me deu uma ideia, imbecil.
Mason se voltou na direção de
Underwood, que ainda estava apoiado contra a chuva.
– É algo a se pensar – ele disse.
– Hein? – disse Underwood.
– Tire sua cabeça do seu pau, Cliff.
Pense nisso.
– Nisso o quê?
– Cristo de patins. Infinitas
possibilidades.
– É... É... Podíamos arranjar também
o demônio.
– Isso é bom. Sim, o demônio.
– Podíamos até mesmo meter uma cruz
na parada.
– Cruz? Não, isso é muito cafona.
Mason virou novamente até se pôr de
frente para Chonjacki. Chonjacki ainda estava lá. Ele não estava
surpreso. Se um macaco estivesse sentado em seu lugar, ele também
não se surpreenderia. Mason já tinha visto muita coisa nesse mundo.
Mas não era um macaco, era Chonjacki. Ele tinha que falar com
Chonjacki. Deveres, deveres... tudo pelo aluguel, um rabo de vez em
quando e um funeral decente. Cães tinham pulgas, homens tinham
problemas.
– Chonjacki – ele disse –, por
favor, deixe-me explicar algo a você. Está ouvindo? Você é capaz
de ouvir?
– Estou ouvindo.
– Isso aqui é um negócio. Trabalhamos
cinco noites por semana. Estamos na televisão. Sustentamos famílias.
Pagamos impostos. Votamos. Os policiais nos dão mais multas do que a
qualquer outra pessoa. Temos dores de dentes, insônia, doenças
venéreas. Temos que aturar o Natal e o Ano-Novo igual a todas as
outras pessoas, você entende?
– Sim.
– Até mesmo, alguns de nós, ficamos
deprimidos às vezes. Somos humanos. Até eu fico deprimido. Às
vezes sinto vontade de chorar à noite. Certamente senti vontade de
chorar na noite passada, quando você quebrou duas costelas de
Welborn...
– Ele estava me provocando, sr. Mason!
– Chonjacki, Welborn não seria capaz
de arrancar um fio de pelo do sovaco esquerdo da sua avó. Ele lê
Sócrates, Robert Duncan e W.H. Auden. Ele está na liga há cinco
anos e não causou dano físico suficiente para ferir um
passarinho...
– Ele estava entrando duro em mim,
estava me perseguindo, estava gritando...
– Oh, Cristo – disse Mason
suavemente. Colocou seu o charuto no cinzeiro. – Filho, já falei.
Somos uma família, uma grande família. Não machucamos uns aos
outros. Temos a melhor audiência de semirretardados entre todos os
esportes. Atraímos a maior classe de idiotas vivos, e eles enfiam
dinheiro diretamente em nossos bolsos, entende? Conseguimos atrair a
nata dos cretinos, roubando-os da luta livre, de Lucille Ball e de
George Putnam. Estamos com tudo e não queremos nem maldades, nem
violência. Certo, Cliff?
– Certo – disse Underwood.
– Vamos fazer uma demonstração –
disse Mason.
– Ok – disse Underwood.
Mason levantou-se de sua escrivaninha e
se moveu em direção a Underwood.
– Seu filho da puta – ele disse. –
Vou matar você. Sua mãe engole seus próprios peidos e tem uma
buceta sifilítica.
– E sua mãe come merda de gato
ensopada – disse Underwood.
Ele se afastou da janela e foi em direção
a Mason. Mason deu o primeiro golpe. Underwood inclinou-se para trás
contra a escrivaninha.
Mason encaixou uma gravata em seu pescoço
com seu braço esquerdo, batendo na parte superior da cabeça de
Underwood com seu punho direito e com o antebraço.
– As tetas da sua irmã são tão
caídas que vão além da bunda e balançam na água quando ela caga
– Mason disse a Underwood.
Underwood espichou um braço para trás e
jogou Mason por cima de sua cabeça. Mason caiu contra a parede com
um estrondo. Então se levantou, caminhou para sua escrivaninha,
sentou-se na cadeira giratória, pegou seu charuto e tragou a fumaça.
Continuava chovendo. Underwood voltou a se encostar contra a janela.
– Quando um homem trabalha cinco noites
por semana, não pode se dar ao luxo de se lesionar, compreende,
Chonjacki?
– Sim, senhor.
– Agora olhe, garoto, temos uma regra
geral aqui... que é... Está ouvindo?
– Sim.
– ... que é... quando qualquer um na
liga lesiona outro jogador, ele está fora do emprego, está fora da
liga, na verdade, a notícia se espalha... ele entra na lista negra
em todos os outros rinques de patinação na América. Talvez se dê
o mesmo na Rússia e na China e na Polônia também. Conseguiu enfiar
isso na sua cabeça?
– Sim.
– Então vamos deixar você se safar
dessa vez, porque investimos muito tempo e dinheiro construindo a sua
imagem. Você é o Mark Spitz da nossa liga, mas podemos acabar com
você, assim como eles podem acabar com ele, se você não fizer
exatamente o que mandamos.
– Sim, senhor.
– Mas isso não quer dizer que você
deva diminuir o ritmo. Tem de agir com violência sem ser violento,
entende? O truque do espelho, o coelho na cartola, a ilusão tem de
ser completa. Eles amam ser enganados. Eles não sabem a verdade,
porra, eles nem mesmo querem a verdade, a verdade os torna infelizes.
Nós os fazemos felizes. Dirigimos carros novos e mandamos nossos
filhos para a faculdade, certo?
– Certo.
– Ok, dê o fora daqui.
Chonjacki se levantou para sair.
– E garoto...
– Sim?
– Tome um banho de vez em quando.
– Quê?
– Bem, talvez não seja isso. Você usa
papel higiênico suficiente quando limpa a bunda?
– Não sei. Quanto é preciso usar?
– Sua mãe não lhe ensinou?
– Quê?
– Continue limpando até não sair mais
nada.
Chonjacki ficou ali, em pé, apenas
olhando para ele.
– Tudo bem, pode ir agora. E, por
favor, lembre-se de tudo que lhe falei.
Chonjacki saiu. Underwood caminhou até a
cadeira vazia e sentou. Sacou seu charuto de quinze centavos
pós-almoço e o acendeu. Os dois homens ficaram sentados ali por
cinco minutos sem dizer nada. Então o telefone tocou. Mason atendeu.
Ouviu e então disse:
– Oh, Tropa Escoteira Sete Meia Três?
Quantos? Claro, claro, deixaremos eles entrar pagando meia-entrada.
Domingo à noite. Reservaremos uma seção. Claro, claro. Oh, tudo
bem...
Desligou.
Underwood não respondeu. Ficaram
sentados ouvindo a chuva. A fumaça de seus charutos fazia desenhos
interessantes no ar. Ficaram sentados e fumaram e ouviram a chuva e
observaram os desenhos no ar. O telefone tocou outra vez e Mason fez
uma careta. Underwood levantou de sua cadeira, caminhou até o
telefone e o atendeu. Era a vez dele.
Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum
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