Mama tinha uma compleição
excepcionalmente grande, com braços longos e poderosos. Durante as
exibições de ataque, ela parecia muito intimidante, com os pelos
eriçados, batendo os pés. Não tinha obviamente a quantidade de
músculos e pelos de um macho, especialmente nos ombros, que os
machos incham quando tentam impressionar. Mas o que lhe faltava em
anatomia ela compensava em vigor. Mama era conhecida por dar golpes
explosivos nas grandes portas de metal da jaula. Ela apoiava os
punhos bem separados no chão e balançava o corpo inteiro entre os
braços para dar um chute violento com os dois pés contra a porta.
Isso sinalizava que ela estava exaltada de verdade e que ninguém
devia se meter com ela.
A dominância de Mama vinha de sua
personalidade ainda mais que de seu físico. Ela tinha o ar de uma
avó que havia visto de tudo e não aceitava besteira de ninguém.
Exigia tanto respeito que a primeira vez que a encarei diretamente a
partir do outro lado do fosso me senti pequeno. Ela tinha o hábito
de acenar calmamente com a cabeça para que você soubesse que ela o
havia notado. Eu nunca percebera tamanha sabedoria e equilíbrio em
qualquer outra espécie que não fosse a minha. Seu olhar era de
amizade circunscrita: estava pronta para entender e gostar de você
contanto que você não a contrariasse. Ela tinha até senso de
humor. Os chimpanzés costumam exibir uma cara de riso durante as
brincadeiras, mas eu também via isso em momentos em que isso não
pareceria adequado, como quando um macho superior se deixava
perseguir por um filhote chateado. Enquanto foge dos gritos do
monstrinho, o “homem grande” da colônia usa uma expressão
risonha, como se o absurdo da situação o divertisse. Certa vez,
Mama mostrou a mesma cara de riso diante do final inesperado de um
confronto tenso, do mesmo modo como reagimos a uma piada.
Meu colega Matthijs Schilder estava
testando as reações dos chimpanzés aos predadores. Ele pôs uma
máscara de pantera e, sem que os chimpanzés soubessem, escondeu-se
nos arbustos perto do fosso de água que circundava a ilha dos
símios. De repente, ele levantou a cabeça com a máscara, de modo
que um grande felino parecia estar olhando para os chimpanzés da
folhagem. Sempre alertas, eles reagiram em segundos com grande alarme
e fúria. Dando berros altos e zangados, avançaram para atacar o
predador com paus e pedras. (A propósito, a mesma reação foi
observada entre os chimpanzés selvagens, que temem intensamente os
leopardos à noite, mas os importunam durante o dia.) Matthijs teve
dificuldade de evitar os projéteis, bem direcionados, e foi se
esconder em outro lugar.
Depois de vários confrontos, ele ficou
de pé e tirou a máscara para mostrar seu rosto familiar. A colônia
se acalmou rapidamente. Mas, dentre todos os chimpanzés, foi Mama
que mudou gradualmente a expressão de raiva e aflição para uma
risada com a boca entreaberta e os lábios cobrindo frouxamente os
dentes. Ela manteve essa cara por um tempo, sugerindo que percebera a
brincadeira no disfarce de Matthijs.
Mama conectava-se com facilidade com
todos, tanto machos quanto fêmeas, e tinha uma rede de apoio como
nenhuma outra — era uma diplomata nata. Ela também não relutava
em impor lealdade: tomava partido nas lutas pelo poder, optando por
apoiar um macho contra outro, mas não tolerava que outras fêmeas
manifestassem escolha diferente. As fêmeas que faziam isso, que
intervinham nas batalhas dos machos em favor do competidor “errado”,
se veriam, de repente, no final do dia, em apuros com Mama. Ela agia
como líder de partido em relação a seu candidato favorito.
Nesse aspecto, Mama abria apenas uma
exceção: para sua aliada Kuif, uma fêmea também conhecida como
Gorila, nome que eu usei em alguns de meus outros livros por causa de
sua face toda negra. Kuif tinha uma compleição ligeiramente menor
que a de Mama. Nascidas no mesmo zoológico, Kuif e Mama tinham um
passado compartilhado que se traduzia numa poderosa aliança que
continuou até a morte de Kuif, alguns anos antes da de Mama. Nunca
vi um único desentendimento entre essas duas fêmeas. Com frequência
elas catavam uma à outra e sempre se apoiavam quando uma delas se
metia em confusão. Kuif era a única fêmea que podia contrariar os
desejos de Mama sem consequências. Ela apoiava um macho em
particular que não era o preferido de Mama, mas Mama ignorava esse
apoio, como se nunca tivesse notado. Em outros aspectos, Mama e Kuif
geralmente agiam unidas. Uma briga séria com uma delas envolvia
automaticamente a outra, e todos sabiam disso, inclusive os machos,
que haviam aprendido que não podiam lidar com as duas fêmeas
enfurecidas ao mesmo tempo. Mama e Kuif estavam sempre prontas a se
apoiar e gritavam literalmente nos braços uma da outra após grandes
convulsões.
Mama não era apenas uma figura central
na colônia, mas também assumia o papel de elo com os seres humanos.
Mais que qualquer outro chimpanzé, ela construía relacionamentos
com pessoas de que gostava ou que percebia como importantes.
Demonstrava enorme respeito pelo diretor do zoológico, por exemplo.
A conexão comigo também se devia, em grande parte, a iniciativa
sua. Muitas vezes tínhamos sessões de catação através das grades
da jaula que ela compartilhava com sua amiga Kuif. Embora minhas
relações com Mama fossem descontraídas, eu precisava ter cuidado
com Kuif, que às vezes tentava me provocar, me testando. Os
chimpanzés estão sempre no jogo da demonstração de superioridade,
sempre buscando os limites da dominância, sua ou deles. Às vezes
Kuif me agarrava através das grades, quando Mama estava sentada ao
lado, de costas para ela. A melhor estratégia nesses casos é manter
a calma e agir como se você mal percebesse; caso contrário, as
coisas podem se intensificar. Nos últimos anos, minha relação com
Kuif mudou radicalmente para melhor. Depois de ajudá-la a criar seus
primeiros filhos sobreviventes, tornei-me seu ser humano favorito.
Infelizmente, Kuif havia perdido os
filhotes anteriores por lactação insuficiente. Os recém-nascidos
não conseguiam se desenvolver e definhavam. Toda vez que um deles
morria, Kuif entrava numa profunda depressão, marcada por atitudes
como balançar-se, agarrar o próprio corpo, recusar comida e soltar
gritos de cortar o coração. Havia até mesmo indícios de lágrimas:
embora acreditemos que somos os únicos primatas que lacrimejam, Kuif
esfregava vigorosamente os olhos com as costas dos dois punhos, do
modo que as crianças fazem depois de um bom choro. Talvez fosse
apenas uma irritação nos olhos, mas, curiosamente, esse
comportamento aparecia nas mesmas circunstâncias em que as lágrimas
humanas escorrem.
Diante de tanto sofrimento repetido de
Kuif, tive a ideia de ajudá-la a criar sua próxima prole com uma
mamadeira. Mas previ um problema: as mães chimpanzés são
extremamente possessivas, e era provável que Kuif não nos
permitisse retirar o bebê para alimentá-lo. Kuif teria de usar a
mamadeira sozinha. Era um plano audacioso, nunca tentado antes.
Então uma solução se apresentou.
Nasceu na colônia o filhote de uma mãe surda.
No passado, essa chimpanzé fêmea jamais
conseguira criar sua prole pela incapacidade de ouvir os sons suaves
do bebê que indicam satisfação e desconforto. Essas vocalizações
orientam o comportamento materno. A mãe surda pode se sentar sobre o
bebê, por exemplo, sem perceber os gemidos desesperados. Para evitar
mais um fracasso, tão duro para essa fêmea quanto para Kuif,
decidimos retirar o último bebê, chamada Roosje (ou Rosinha) logo
após o nascimento e dá-la para Kuif adotar. Cuidamos do bebê
enquanto treinávamos Kuif a manusear a mamadeira. Depois de semanas
de treinamento, colocamos o filhote na palha da jaula de Kuif.
Em vez de pegar o bebê, Kuif se
aproximou das grades onde o cuidador e eu estávamos esperando. Ela
nos beijou, alternando o olhar entre Roosje e nós, como se pedisse
permissão. O ato de pegar o bebê de outra sem ser convidada não é
bem visto entre os chimpanzés. Nós a encorajamos, acenando com os
braços em direção à criança e dizendo: “Vá, pegue-a!”. Ela
acabou por fazer isso, e daquele momento em diante Kuif foi a mãe
mais cuidadosa e protetora que se poderia imaginar, e criou Roosje
como esperávamos. Ela se tornou bastante talentosa na alimentação
e chegava mesmo a afastar brevemente a mamadeira se Roosje precisava
arrotar, algo que nunca lhe ensinamos.
Frans de Waal, in O último abraço da matriarca
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