terça-feira, 14 de dezembro de 2021

O mal

Certa noite rodearam a cama contígua com biombos. Alguém explicou a Efrén que seu vizinho estava agonizando. Esse vizinho perverso tinha lhe roubado não só a maçã que estava na mesa de cabeceira, como também o direito de gozar da proteção desses biombos, em cuja outra face certamente havia flores e querubins pintados. Essa circunstância obscureceu a alegria de Efrén. Ainda assim, com lençóis e cobertores para se aquecer, estava no paraíso. Via de soslaio a luz rosada através dos janelões. De vez em quando lhe davam de beber; tinha consciência da alvorada, da manhã, do dia, do entardecer e da noite, embora as venezianas estivessem fechadas e nenhum relógio anunciasse a hora. Quando estava bem, costumava comer com tanta rapidez que todos os alimentos tinham o mesmo sabor. Agora reconhecia a diferença até mesmo entre o gosto de uma laranja e o de uma mexerica. Apreciava cada ruído vindo da rua ou do edifício, as vozes e os gritos, o ruído do encanamento, dos elevadores, dos automóveis, das charretes que passavam. Quando sentia vontade de urinar, tocava a campainha; como mágica, aparecia uma mulher, branca como uma estátua, trazendo um vaso de vidro que era uma espécie de relíquia, e essa mesma mulher de olhos etruscos e unhas de rubi lhe aplicava enemas ou o espetava com uma agulha, como se costurasse um tecido valioso. Uma caixinha de música não seria tão musical, o colo de uma santa ou de um anjo não seriam tão bons quanto o travesseiro onde recostava a cabeça. Cócegas agradáveis corriam por sua nuca, desciam pela coluna vertebral até os joelhos. Pensava: era a primeira vez que podia pensar: “Que preço tem um corpo. Vivemos como se ele nada valesse, impondo-lhe sacrifícios, até que entra em pane. A enfermidade é uma lição de anatomia”. Sonhava: era a primeira vez que podia sonhar. Partidas de bilhar, um cachimbo, o jornal lido linha por linha, viagens breves, mulheres que lhe sorriam em um cinema, uma gravata vermelha, tudo isso o deleitava.
Em seus delírios tinha previsões do futuro; as visitas dominicais, que ficaram a par de seu dom, acudiam ao hospital para, ao lado de sua cama, escutar as premonições.
Percebeu que os biombos não rodeavam a cama do vizinho, e sim a sua, e sentiu-se satisfeito.
Os pés já não doíam de tanto caminhar, nem a cintura, de tanto ficar agachado, nem o estômago, de tanto passar fome. Vislumbrava o pátio com palmeiras e pombas através de cada um dos janelões. O tempo não passava, pois a felicidade é eterna.
Os médicos disseram que iam salvá-lo. Retiraram os biombos com flores e querubins. Em sua opinião, eram uns safados, os médicos. Sabem onde se aloja a doença e a manobram a seu bel-prazer. O organismo talvez escute os diálogos que cercam a cama de um enfermo. Efrén teve pesadelos por culpa desses diálogos.
Sonhou que para ir ao trabalho tomava um ônibus e, depois de se sentar, percebia que o veículo não tinha rodas, descia desse ônibus e tomava outro, que não tinha motor, e assim sucessivamente, até que anoitecia.
Sonhou que estava na peleteria costurando peles; as peles se moviam, grunhiam. Passado um tempinho, no cômodo em que trabalhava, vários animais selvagens, com bafo asqueroso, mordiam seus tornozelos e suas mãos. Pouco depois, os animais começavam a falar entre si. Ele não entendia o que diziam, pois falavam em um idioma estranho. Por fim compreendia que iam devorá-lo.
Sonhou que tinha fome. Não havia nada para comer; então tirava do bolso um pedaço de pão tão velho que não conseguia mordê-lo; banhava-o em água, mas continuava igual; finalmente, quando o mordia, seus dentes ficavam dentro do único pão que tinha arranjado para se alimentar. O caminho em direção à saúde, em direção à vida, era esse.
O organismo de Efrén, que era forte e astuto, buscou um lugar em suas entranhas para esconder o mal. Esse mal era precioso: com subterfúgios, encontrou um jeito de conservá-lo pelo maior tempo possível. Desse modo, com o sentimento de culpa que o embuste sempre inspira, por uns dias Efrén voltou a ser feliz. A irmã de caridade lhe falava sobre seus filhos e sua mulher, inutilmente. Para Efrén, eles estavam na caderneta do pão e da carne. Tinham preço. Custavam cada dia mais.
Suou, agachou-se, sofreu, chorou, caminhou quilômetros e quilômetros para conseguir a tranquilidade que agora queriam lhe arrebatar.

Silvina Ocampo, in A fúria

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