sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

O banho de música das 18 horas | Capítulo 9

Na manhã seguinte, o presidente Miruki e a secretária Asari tomavam o café da manhã juntos.
Embora a secretária estivesse vestindo um pijama, o presidente estava com roupas normais.
Vossa Excelência, eu tenho o conhecimento de que você deu uma escapada tarde da noite. Você não pode ter segredos comigo. Onde você foi?
Não, eu apenas, bem…
Não adianta tentar esconder coisas de mim. Um dos meus homens me disse que te avistou perto do setor Alishia.
Você está dizendo que alguém me viu lá? — o presidente falou, seus olhos se abrindo.
O que foi capaz de fazer você se levantar da cama, no meio da noite, e ter todo esse trabalho?
O quê? Oh, não era nada de especial… Parece que você está confundindo as coisas, e eu não gosto nada disso. Ontem nós descobrimos algo no setor Alishia, não foi mesmo?
Descobrimos o quê?
Bem, foi mais ou menos… Hum, o que foi mesmo?… Ontem nós fomos checar o setor Alishia, mas só pudemos ver até a nona sala. Teve toda aquela confusão quando você tentou forçosamente abrir a porta da décima sala, mais um pouco e tudo explodiria. Mas não ser capaz de entrar nessas salas era uma evidência desagradável de que existem lugares nesta nação onde meu poder absoluto não se estende. Com esse fato incômodo em mente, fui investigar se não havia mesmo nenhuma forma de abrir a porta.
Nossa, você tem estado tão corajoso, não é? Então você conseguiu entrar na décima sala, como esperava?
Não, eu falhei.
Você deveria ter previsto que isso aconteceria. De todo modo, por que você ficou no setor Alishia até o amanhecer?
O que você está insinuando? Eu estava apenas dando o meu melhor para abrir a porta.
Sim, aposto que sim. Apenas não sei qual porta você estava tentando abrir.
Madame Asari virou-se em direção ao papagaio azul, em um poleiro de metal, e segurou um pedaço de carne em seu garfo.
Com uma velocidade cegante, o pássaro faminto abriu seu bico e abocanhou a carne. Mas um instante depois pôde-se ouvir o som de algo caindo no chão. O papagaio esfomeado deixou cair o precioso pedaço de carne no piso, sem hesitar.
Ei, Pinto — o presidente chamou o pássaro pelo seu nome. — Você não está se sentindo bem?
Madame Asari respondeu no lugar do papagaio. — Pinto está plenamente saudável. Ele está apenas dizendo que a carne nojenta dos androides não é de seu agrado.
Você disse carne de androide?
O presidente Miruki saltou de sua cadeira, atordoado. Ele voltou seu olhar para os pés de madame Asari, onde estava uma grande pilha de pedaços amontoados de carne vermelha, em um grande prato de metal. O homem revelou um olhar perturbado ao notar uma trilha de gotas de sangue, que iam do prato até algum lugar atrás das cortinas internas.
Não posso acreditar! Você foi mesmo capaz?!
Miruki correu freneticamente até as cortinas e, no lado mais distante, descobriu uma pilha de máquinas complexas desmanteladas. Na beira da pilha havia o lindo rosto de uma mulher. Apesar de estar um pouco sem cor, ainda mantinha um sorriso brilhante, como se nada houvesse acontecido. Vendo isso, o presidente logo irrompeu em raiva, como um vulcão em erupção.
P-por que você a matou? Por que matou Annette? Ah, sim, você devia estar com inveja da beleza dela, sua vadia! Eu lhe dei a mais estrita ordem de não matar androides, e você desobedeceu sem hesitar. Secretária ou não, você nunca será perdoada por isso!
Madame Asari permaneceu sentada, tranquila, bebendo de seu copo. E então falou:
Você pode sossegar? Eu fiz isso visando os interesses da nação. Pode imaginar que caos seria se a população descobrisse que o seu presidente estava obcecado por um androide, ainda mais em um momento tão importante quanto este? Como eu disse antes, agora é a hora de tomar medidas emergenciais. Estou certa de que Vossa Sábia-Excelência entende isso.
O presidente não refutou os argumentos da madame Asari. Ele apenas se virou e resmungou em voz baixa para si mesmo.
Eu sou apenas um prisioneiro; em uma cela sem grades, mas ainda assim um prisioneiro. Agora estou condenado a eternidade sem uma bela mulher…
Madame Asari fingiu não ouvir os resmungos do presidente. Casualmente ela o fez se sentar à mesa mais uma vez, como antes, e com paciência começou a discutir estratégias nacionais.
A partir de hoje, presidente Miruki, nossa nação começará a realizar manobras de emergência.
Manobras de emergência, de fato. E o que você sugere?
Existe um suprimento ilimitado de ouro enterrado debaixo da nossa nação. Nós iremos minerar aquilo tudo em uma semana.
Quem vai minerar? Minerar tudo aquilo em apenas uma semana… Para começar, nós não temos pessoas suficientes, nem mesmo a quantia necessária de máquinas.
Isso não é desculpa. Apenas deixe comigo.
Deixar com você? — o presidente fungou com desdém. — É óbvio que o seu plano irá falhar. Se o professor Kohak ainda estivesse vivo, estou certo de que ele conseguiria realizá-lo de um jeito magnífico. Você pode ser uma política, mas não é nenhuma cientista.
Cientistas só são necessários no começo. Quando as coisas já se desenvolveram até certo ponto, a execução é o que se torna importante. E executar uma grande empreitada como essa exige ninguém menos do que políticos. A ciência nunca poderá governar, sempre será governada.
Eu costumava pensar da mesma maneira, até ontem. Depois de encontrar Annette, a androide, comecei a duvidar se era verdade. Oh, linda Annette… Nas profundezas da décima sala do setor Alishia, talvez haja centenas, milhares de androides ainda mais belas do que ela. O poder da ciência é incomparável!
Ouro reina sobre a ciência. Irei desenterrar o ouro abaixo de nós em uma semana e reconstruir esta nação com ele: estradas de ouro, salas de ouro, tetos de ouro, paredes de ouro; tudo de ouro. Que plano fantástico, você não acha? Nossa nação irá dominar o mundo com o ouro!
Dominar o mundo? Para isso é preciso de ferro, não de ouro. Ouro não pode vencer uma guerra.
Eu discordo, com ouro suficiente haverá inúmeros países se oferecendo para defender nossa nação com ferro. Tudo o que é preciso é convidar o primeiro-ministro de um país a tentar começar uma guerra conosco e prometer-lhe um quarto construído com ouro puro, e então guerras se tornarão coisas do passado.
Duvido que seja tão simples. Estou longe de ser tão otimista quanto você.
No meio da conversa, eles ouviram um som delicado à distância — a melodia que já ouviram muitas vezes. O banho de música havia começado.
Banho de música? É o banho de música das 18 horas — o presidente Miruki disse e piscou seus olhos, surpreso. — Espere um minuto. Ainda são 8 horas. O banho de música começou no horário errado. O que o responsável por isso está fazendo?
Madame Asari, sem medo, falou com o presidente como se estivesse dando bronca em uma criança pequena.
Sim, é o banho de música. Eu mudei suas regras, e começarão a valer a partir de hoje. A partir de agora, ocorrerá a qualquer hora, doze vezes ao dia. Com isso, a eficiência das pessoas será multiplicada por doze. Dormir e comer não é mais necessário. Após o banho de música, as pessoas estarão dispostas o suficiente para trabalhar por uma hora e meia sem descanso, assim como cavalos de tração. Depois disso, nós simplesmente lhes daremos um outro banho de música.
Isso é muito imprudente. O professor Kohak nunca tentaria fazer algo assim.
O professor Kohak era ardiloso por natureza, e foi por isso que ele, de propósito, limitou o banho de música para apenas uma vez ao dia. Caso contrário, ele seria forçado a trabalhar o dia inteiro. Eu já havia notado isso há um bom tempo. Apenas um verdadeiro político pode aumentar a produtividade em qualquer sentido real. É necessário políticos no controle para trazer à tona o verdadeiro poder da ciência.
Naquele momento, o presidente Miruki ouviu claramente seus cidadãos arfarem em angústia, o som aumentava cada vez mais conforme o banho de música progredia.

Juza Unno, in A última transmissão

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