Na manhã seguinte, o presidente Miruki e
a secretária Asari tomavam o café da manhã juntos.
Embora a secretária estivesse vestindo
um pijama, o presidente estava com roupas normais.
— Vossa Excelência, eu tenho o
conhecimento de que você deu uma escapada tarde da noite. Você não
pode ter segredos comigo. Onde você foi?
— Não, eu apenas, bem…
— Não adianta tentar esconder coisas
de mim. Um dos meus homens me disse que te avistou perto do setor
Alishia.
— Você está dizendo que alguém me
viu lá? — o presidente falou, seus olhos se abrindo.
— O que foi capaz de fazer você se
levantar da cama, no meio da noite, e ter todo esse trabalho?
— O quê? Oh, não era nada de
especial… Parece que você está confundindo as coisas, e eu não
gosto nada disso. Ontem nós descobrimos algo no setor Alishia, não
foi mesmo?
— Descobrimos o quê?
— Bem, foi mais ou menos… Hum, o que
foi mesmo?… Ontem nós fomos checar o setor Alishia, mas só
pudemos ver até a nona sala. Teve toda aquela confusão quando você
tentou forçosamente abrir a porta da décima sala, mais um pouco e
tudo explodiria. Mas não ser capaz de entrar nessas salas era uma
evidência desagradável de que existem lugares nesta nação onde
meu poder absoluto não se estende. Com esse fato incômodo em mente,
fui investigar se não havia mesmo nenhuma forma de abrir a porta.
— Nossa, você tem estado tão
corajoso, não é? Então você conseguiu entrar na décima sala,
como esperava?
— Não, eu falhei.
— Você deveria ter previsto que isso
aconteceria. De todo modo, por que você ficou no setor Alishia até
o amanhecer?
— O que você está insinuando? Eu
estava apenas dando o meu melhor para abrir a porta.
— Sim, aposto que sim. Apenas não sei
qual porta você estava tentando abrir.
Madame Asari virou-se em direção ao
papagaio azul, em um poleiro de metal, e segurou um pedaço de carne
em seu garfo.
Com uma velocidade cegante, o pássaro
faminto abriu seu bico e abocanhou a carne. Mas um instante depois
pôde-se ouvir o som de algo caindo no chão. O papagaio esfomeado
deixou cair o precioso pedaço de carne no piso, sem hesitar.
— Ei, Pinto — o presidente chamou o
pássaro pelo seu nome. — Você não está se sentindo bem?
Madame Asari respondeu no lugar do
papagaio. — Pinto está plenamente saudável. Ele está apenas
dizendo que a carne nojenta dos androides não é de seu agrado.
— Você disse carne de androide?
O presidente Miruki saltou de sua
cadeira, atordoado. Ele voltou seu olhar para os pés de madame
Asari, onde estava uma grande pilha de pedaços amontoados de carne
vermelha, em um grande prato de metal. O homem revelou um olhar
perturbado ao notar uma trilha de gotas de sangue, que iam do prato
até algum lugar atrás das cortinas internas.
— Não posso acreditar! Você foi mesmo
capaz?!
Miruki correu freneticamente até as
cortinas e, no lado mais distante, descobriu uma pilha de máquinas
complexas desmanteladas. Na beira da pilha havia o lindo rosto de uma
mulher. Apesar de estar um pouco sem cor, ainda mantinha um sorriso
brilhante, como se nada houvesse acontecido. Vendo isso, o presidente
logo irrompeu em raiva, como um vulcão em erupção.
— P-por que você a matou? Por que
matou Annette? Ah, sim, você devia estar com inveja da beleza dela,
sua vadia! Eu lhe dei a mais estrita ordem de não matar androides, e
você desobedeceu sem hesitar. Secretária ou não, você nunca será
perdoada por isso!
Madame Asari permaneceu sentada,
tranquila, bebendo de seu copo. E então falou:
— Você pode sossegar? Eu fiz isso
visando os interesses da nação. Pode imaginar que caos seria se a
população descobrisse que o seu presidente estava obcecado por um
androide, ainda mais em um momento tão importante quanto este? Como
eu disse antes, agora é a hora de tomar medidas emergenciais. Estou
certa de que Vossa Sábia-Excelência entende isso.
O presidente não refutou os argumentos
da madame Asari. Ele apenas se virou e resmungou em voz baixa para si
mesmo.
— Eu sou apenas um prisioneiro; em uma
cela sem grades, mas ainda assim um prisioneiro. Agora estou
condenado a eternidade sem uma bela mulher…
Madame Asari fingiu não ouvir os
resmungos do presidente. Casualmente ela o fez se sentar à mesa mais
uma vez, como antes, e com paciência começou a discutir estratégias
nacionais.
— A partir de hoje, presidente Miruki,
nossa nação começará a realizar manobras de emergência.
— Manobras de emergência, de fato. E o
que você sugere?
— Existe um suprimento ilimitado de
ouro enterrado debaixo da nossa nação. Nós iremos minerar aquilo
tudo em uma semana.
— Quem vai minerar? Minerar tudo aquilo
em apenas uma semana… Para começar, nós não temos pessoas
suficientes, nem mesmo a quantia necessária de máquinas.
— Isso não é desculpa. Apenas deixe
comigo.
— Deixar com você? — o presidente
fungou com desdém. — É óbvio que o seu plano irá falhar. Se o
professor Kohak ainda estivesse vivo, estou certo de que ele
conseguiria realizá-lo de um jeito magnífico. Você pode ser uma
política, mas não é nenhuma cientista.
— Cientistas só são necessários no
começo. Quando as coisas já se desenvolveram até certo ponto, a
execução é o que se torna importante. E executar uma grande
empreitada como essa exige ninguém menos do que políticos. A
ciência nunca poderá governar, sempre será governada.
— Eu costumava pensar da mesma maneira,
até ontem. Depois de encontrar Annette, a androide, comecei a
duvidar se era verdade. Oh, linda Annette… Nas profundezas da
décima sala do setor Alishia, talvez haja centenas, milhares de
androides ainda mais belas do que ela. O poder da ciência é
incomparável!
— Ouro reina sobre a ciência. Irei
desenterrar o ouro abaixo de nós em uma semana e reconstruir esta
nação com ele: estradas de ouro, salas de ouro, tetos de ouro,
paredes de ouro; tudo de ouro. Que plano fantástico, você não
acha? Nossa nação irá dominar o mundo com o ouro!
— Dominar o mundo? Para isso é preciso
de ferro, não de ouro. Ouro não pode vencer uma guerra.
— Eu discordo, com ouro suficiente
haverá inúmeros países se oferecendo para defender nossa nação
com ferro. Tudo o que é preciso é convidar o primeiro-ministro de
um país a tentar começar uma guerra conosco e prometer-lhe um
quarto construído com ouro puro, e então guerras se tornarão
coisas do passado.
— Duvido que seja tão simples. Estou
longe de ser tão otimista quanto você.
No meio da conversa, eles ouviram um som
delicado à distância — a melodia que já ouviram muitas vezes. O
banho de música havia começado.
— Banho de música? É o banho de
música das 18 horas — o presidente Miruki disse e piscou seus
olhos, surpreso. — Espere um minuto. Ainda são 8 horas. O banho de
música começou no horário errado. O que o responsável por isso
está fazendo?
Madame Asari, sem medo, falou com o
presidente como se estivesse dando bronca em uma criança pequena.
— Sim, é o banho de música. Eu mudei
suas regras, e começarão a valer a partir de hoje. A partir de
agora, ocorrerá a qualquer hora, doze vezes ao dia. Com isso, a
eficiência das pessoas será multiplicada por doze. Dormir e comer
não é mais necessário. Após o banho de música, as pessoas
estarão dispostas o suficiente para trabalhar por uma hora e meia
sem descanso, assim como cavalos de tração. Depois disso, nós
simplesmente lhes daremos um outro banho de música.
— Isso é muito imprudente. O professor
Kohak nunca tentaria fazer algo assim.
— O professor Kohak era ardiloso por
natureza, e foi por isso que ele, de propósito, limitou o banho de
música para apenas uma vez ao dia. Caso contrário, ele seria
forçado a trabalhar o dia inteiro. Eu já havia notado isso há um
bom tempo. Apenas um verdadeiro político pode aumentar a
produtividade em qualquer sentido real. É necessário políticos no
controle para trazer à tona o verdadeiro poder da ciência.
Naquele momento, o presidente Miruki
ouviu claramente seus cidadãos arfarem em angústia, o som aumentava
cada vez mais conforme o banho de música progredia.
Juza Unno, in A última transmissão
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