quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Meu jóquei

Eu gosto de trabalhar na emergência — pelo menos lá você conhece homens. Homens de verdade, heróis. Bombeiros e jóqueis. Eles vivem indo para alas de emergência. Jóqueis têm radiografias fantásticas. Quebram ossos a toda hora, mas só se enfaixam e se mandam para a próxima corrida. Os esqueletos deles parecem árvores, ou brontossauros reconstruídos. Radiografias de são Sebastião.
Eu costumo ficar encarregada de cuidar dos jóqueis porque falo espanhol e quase todos eles são mexicanos. O primeiro jóquei que conheci se chamava Muñoz. Santo Deus. Eu dispo pessoas o tempo todo e não é nada de mais, leva alguns segundos. Muñoz estava lá deitado, inconsciente, um deus asteca em miniatura. As roupas dele eram tão complicadas que era como se eu estivesse realizando um ritual elaborado. E enervante, porque demorava demais, como num livro de Mishima em que leva três páginas para tirar o quimono da moça. Sua camisa de cetim magenta tinha muitos botões ao longo do ombro e nos dois punhos minúsculos; a calça era atada com um intricado vaivém de cordões, nós pré-colombianos. Suas botas cheiravam a estrume e suor, mas eram tão macias e delicadas quanto os sapatinhos da Cinderela. Ele continuou dormindo, um príncipe encantado.
Começou a chamar pela mãe antes mesmo de acordar. Não se contentou em segurar minha mão como alguns pacientes fazem, mas se agarrou ao meu pescoço, chorando e dizendo Mamacita! Mamacita!. Só quis deixar que o dr. Johnson o examinasse se eu o segurasse deitado no colo como um bebê. Era pequeno como uma criança, mas forte, musculoso. Um homem no meu colo. Seria o homem dos meus sonhos? O bebê dos meus sonhos?
O dr. Johnson secava a minha testa enquanto eu traduzia. Ele com certeza tinha quebrado a clavícula e pelo menos três costelas e provavelmente havia sofrido uma concussão. Não, Muñoz disse. Ele tinha que disputar as corridas do dia seguinte. Leve-o para a radiologia, disse o dr. Johnson. Como ele se recusava a deitar na maca, eu o carreguei pelo corredor, como King Kong. Ele chorava, apavorado, e suas lágrimas encharcaram meu peito.
Ficamos esperando na sala escura pelo técnico de raio X. Eu o acalmei como acalmaria um cavalo. Cálmate, lindo, cálmate. Despacio… despacio. Devagar… devagar. Ele se aquietou nos meus braços, arfou e resfolegou suavemente. Afaguei suas belas costas. Elas estremeceram e tremeluziram como as de um esplêndido potro. Foi maravilhoso.

Lucia Berlin, in Manual da faxineira: Contos escolhidos

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