Como a parte final do capítulo anterior
pode ter causado estranheza aos que vivem em terra firme, habituados
a deliciar-se com muito elevadas e românticas ideias quanto ao
caráter dos homens de um navio de guerra, talvez não seja impróprio
registrar aqui alguns fatos sobre tal tema, os quais podem servir
para colocar o assunto sob seu verdadeiro prisma.
Em virtude da vida selvagem que vivem e
de inúmeras outras causas (inútil mencioná-las), os marinheiros,
como classe, partilham de uma perspectiva bastante flexível ante a
noções de moralidade e aos Dez Mandamentos; ou, antes, assumem
posições próprias diante de tais assuntos, preocupando-se pouco
com definições teológicas e éticas de outros no tocante ao que
pode ser criminoso ou errado.
Suas ideias sofrem forte influxo das
circunstâncias. Eles subtrairão discretamente algo de alguém que
os desagrade; e serão firmes em dizer que, em tal caso, furto não é
roubo. Ou, quando o crime envolve algum divertimento, tal como o caso
da jaqueta branca, o farão unicamente pelo prazer da piada; não
obstante seja mister lembrar: eles jamais estragam a piada devolvendo
o objeto roubado.
É considerada boa brincadeira, por
exemplo — e inclusive muitas vezes levada a bordo do navio —,
ficar conversando com um sujeito numa vigília durante a noite,
enquanto outros cortam os botões de seu casaco. Uma vez cortados,
porém, esses botões jamais crescerão de novo. Botões não afloram
espontaneamente.
Talvez seja algo incontornável, mas a
verdade é que, em meio à tripulação de um navio de guerra, é
muito frequente encontrarmos grupos de criminosos que não se
intimidam ante os delitos maiores. Essa gente não desconhece assalto
à mão armada. Um bando é informado de que certo sujeito tem três
ou quatro peças de ouro em sua bolsilha, que muitos marinheiros
trazem amarradas ao pescoço ou guardadas longe dos olhos de quem
quer que seja. Sabendo disso, deliberam seus planos; e, na hora
devida, tratam de executá-lo. Talvez o homem marcado esteja apenas
atravessando a coberta penumbrosa em direção à caixa de seu
rancho; quando, não mais que de repente, salteadores surgem de seu
esconderijo, jogam-no ao chão e, enquanto dois ou três passam-lhe a
mordaça e o amarram, outro arranca-lhe a bolsilha do pescoço e foge
com ela, seguido de seus camaradas. Isso se sucedeu mais de uma vez a
bordo do Neversink.
Noutras ocasiões, ante a hipótese de
que um marinheiro tem algo de valor escondido em sua maca, eles a
rasgam na face inferior enquanto ele dorme, e fazem da conjectura uma
certeza.
Seria infindável enumerar todos os
furtos menores a bordo de um navio de guerra. Com algumas muito
louváveis exceções, eles roubam e são roubados sucessivamente,
até que, em se tratando de objetos menores, parece se consolidar um
conjunto de bens comuns a toda a marujada; que, por fim, como um
todo, se mostra relativamente honesta, uma vez que quase todos se
corrompem. É inútil o esforço dos oficiais de instilar, por meio
de ameaças de punição condigna, princípios mais virtuosos em sua
tripulação. O bando é tão coeso que, dentre mil ladrões, não se
identifica um.
Herman Melville, in Jaqueta Branca
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